São Paulo, quarta-feira, 07 de julho de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Inovar para crescer

ROBERTO NICOLSKY

Por que o Brasil ainda não faz parte do grupo dos "países emergentes" da economia global, formado por China, Coréia, Índia, Rússia e Taiwan? Por que eles crescem entre 7% e 10% ao ano, e nós temos crescido a 1% ou 2%?
Entre outras razões, porque na última década, em vez de investirmos em inovação tecnológica, como esses países fizeram, nós apostamos em ganhos de curto prazo. Abrimos nosso mercado aos produtos importados que nos prometiam preços mais baratos, sem nenhuma contrapartida nem preocupação com as conseqüências.
E as conseqüências foram graves. A indústria nacional parou de crescer. Setores que eram fortes encolheram, empresas que dominavam tecnologias maduras passaram a comprar "caixas-pretas" no exterior para competir. Claro: era mais barato importar do que fazer aqui. Acontece que vai ficando cada vez mais caro importar os produtos que nossa indústria deixou de fabricar, ou fabricar com tecnologia convencional (poluente, por exemplo). Como, no mercado de consumo global, quem não inova fica para trás, o Brasil tem tido um déficit comercial acima de US$ 10 bilhões ao ano na conta dos produtos industrializados e outros US$ 2 bilhões na conta de tecnologia.


Na última década, em vez de investirmos em inovação tecnológica, nós apostamos em ganhos de curto prazo


Mas o que é inovação tecnológica? Em contraste com as invenções revolucionárias, geradoras de produtos totalmente novos, a inovação pode-se dar pela simples melhoria incremental, em que avanços tecnológicos graduais agregam valor a produtos já existentes. Foi adotando essa estratégia que a Índia, por exemplo, acabou de se converter no maior exportador de medicamentos genéricos e o segundo de software, criando mais de 1 milhão de empregos diretos de alto valor.
Agora que a indústria brasileira dá sinais de reaquecimento, temos uma oportunidade e um desafio pela frente: sustentabilidade. Só a inovação tecnológica incessante, incorporada à rotina das empresas e do sistema de educação, pode tornar sustentável esse processo. Estamos falando de uma nova mentalidade, de uma mudança que não é puramente econômica nem política -é cultural também. O Brasil do "jeitinho", do "povo criativo" precisa se transformar no Brasil da inovação tecnológica, sob pena de perdermos novamente a oportunidade de assegurar competitividade à nossa economia.
Com o lançamento da nova política industrial, tecnológica e de comércio exterior, o governo federal deu um primeiro passo adiante nessa questão.
Em manifestação recente através de um artigo na imprensa, os ministros Palocci, Furlan, José Dirceu e Eduardo Campos recuperaram um relatório do CNPq elaborado em 1968 que já dizia: "Entre as razões que impedem o desenvolvimento agressivo da pesquisa industrial no Brasil, figura o mal-entendido de que a pesquisa industrial deve ser realizada principalmente, ou mesmo exclusivamente, em instituições tecnológicas e laboratórios universitários, em vez de constituir atividade das próprias empresas industriais". Apesar desse diagnóstico tão claro, o país não aprendeu, na época, a lição de que a indústria é o "locus" da inovação e deixou de induzir o desenvolvimento tecnológico no setor produtivo.
Mas, em seguida ao lançamento da nova política, o governo federal já tomou algumas medidas concretas para estimular a inovação tecnológica, como a criação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial, o envio ao Congresso Nacional do novo texto do Projeto de Lei de Inovação e a criação, pelo BNDES, do Fundo Tecnológico (Funtec).
Entretanto há muito mais por fazer. Para a criatividade dos brasileiros reverter em geração de emprego e renda para os brasileiros, é preciso mudar o tratamento dado à questão do desenvolvimento tecnológico, o que não significa insistir em velhos modelos. O que se propõe não é a volta da política industrial paternalista dos anos 70 nem as práticas neoliberais que liquidaram segmentos inteiros da indústria nacional nas décadas subseqüentes. O Brasil precisa pensar e agir estrategicamente na economia global -sem delírios de grandeza, mas com altivez-, aproveitando nossas vantagens comparativas, nossa criatividade e as oportunidades disponíveis nos mercados interno e internacional, através do fomento direto da geração de inovações tecnológicas no ambiente produtivo.
No 3º Encontro Nacional da Inovação Tecnológica (Enitec), programado para se realizar de hoje a 9 de julho, na Firjan, as pessoas e entidades engajadas nessa causa estarão discutindo proposições para ampliar a cultura da inovação tecnológica no país.

Roberto Nicolsky, 65, físico, professor do Instituto de Física da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), é diretor-geral da Protec (Sociedade Brasileira Pró-Inovação Tecnológica).


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