São Paulo, quarta-feira, 07 de julho de 2004 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Autoridade na universidade
GIL DA COSTA MARQUES
Desnecessário fazer aqui uma apologia do papel da intelectualidade no desenvolvimento da cultura de um país e na formação de uma consciência nacional. Não é inadequado, assim, afirmar que também da qualidade dos seus intelectuais dependem os destinos de um país. Cabe aos intelectuais, através da busca da verdade, contribuir para a construção de uma sociedade desenvolvida e embasada no conhecimento e na justiça. A ética não permite que um intelectual terceirize o seu papel ou veicule versões de fatos dos quais tem informações apenas parciais. A universidade é avessa à intolerância e à coerção. O desafio dos seus dirigentes é mantê-la em funcionamento, como a sociedade precisa, sem violar os princípios que norteiam a academia. Para tanto, são indispensáveis serenidade e sabedoria, como têm demonstrado, por exemplo, os reitores das universidades paulistas na presente situação de greve. Volto-me agora para os episódios recentes ocorridos no Instituto de Física da USP, do qual sou o diretor, e que foram tratados de maneira equivocada, nessa prestigiosa coluna, como exemplo de falta de autoridade na universidade ("Falta de autoridade", Denis L. Rosenfield, pág. A3, 1º/7). Há cerca de um mês, alguns docentes propuseram uma alteração do regimento do instituto que mudaria substancialmente a composição da Congregação, seu órgão colegiado máximo. Tinham pressa e, por isso, exigiram uma reunião num prazo máximo de oito dias. Nessa reunião extraordinária, outros membros da Congregação, incluindo docentes e alunos, contestaram a urgência da deliberação sobre tema de tal relevância. Em particular, os representantes dos alunos defenderam a insuficiência da discussão sobre o tema. Num dado instante, outros estudantes, que estavam reunidos do lado de fora, invadiram, de forma ruidosa, o recinto no qual a reunião transcorria. Ainda que não tenham utilizado para isso de força física contra pessoas ou o patrimônio, tal atitude é intolerável e nada a justifica, uma vez que desrespeita a diversidade de opiniões e as regras explícitas ou tácitas de funcionamento institucional. A invasão impossibilitou o prosseguimento daquela reunião. Cerca de 15 dias depois, a Congregação se reuniu novamente para deliberar sobre o tema, cuja discussão fora interrompida. A nova reunião ocorreu com a presença dos representantes dos estudantes e de forma tranqüila. Todavia, para surpresa de muitos, os mesmos docentes, que antes tinham pressa na votação do assunto, agora pleiteavam um prazo maior para a apreciação do tema. Dessa forma, a Congregação decidiu, afinal, praticamente por unanimidade de votos, pelo adiamento da discussão. Essa é a forma com que, na universidade, usa-se de autoridade numa situação de conflito: são criadas as condições para que os mecanismos institucionais de deliberação possam ser acionados com racionalidade e, preferencialmente, concórdia. Esses são os fatos que ocorreram no Instituto de Física e o seu contexto. Eles diferem, na completeza e na contextualização, dos relatados nessa coluna por acadêmico distante 1.000 km deles. Em particular, a comparação das ações dos estudantes com as praticadas pelo crime organizado é ofensiva e totalmente descabida. Com essa comparação, o acadêmico mostrou desconhecimento dos estudantes da USP. Qualquer denúncia deve ser feita com apego total e exclusivo a fatos, interpretados dentro de contextos específicos. A análise dos fatos pode se tornar complexa em função das suas várias versões, inevitáveis em situações de conflito. A prudência recomenda que essa complexidade seja devidamente considerada. É por esse motivo que os dirigentes devem ser responsáveis quanto ao exercício de sua autoridade, respeitando os valores institucionais e de convivência. É assim que é estabelecida e reconhecida a autoridade na universidade. Gil da Costa Marques, 58, é diretor do Instituto de Física da USP. Foi presidente da Sociedade Brasileira de Física e prefeito do campus da USP na capital. Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Roberto Nicolsky: Inovar para crescer Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
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