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IGOR GIELOW
Coração das trevas
BRASÍLIA - O giro africano de Lula,
presumivelmente o último de sua
gestão, sacramenta aquilo que os
apologistas do Itamaraty consideram espertíssimo pragmatismo diplomático.
Não há problemas em adular regimes desprezíveis, sob esta visão,
se houver dividendos. Os mais óbvios são econômicos: o Brasil, Petrobras à frente, tenta garantir para
si um naco do butim pós-colonial a
que diversas elites africanas se permitem. Temos de correr, dizem os
mascates, pois os chineses para variar estão na frente.
Do lado político, os questionáveis votos que o país ganharia em
sua campanha por maior relevância em órgãos internacionais -movimento até aqui inócuo, como derrotas sucessivas demonstram.
Afinal de contas, é assim que o
mundo funciona, argumentam. É
fato, mas não deixa de ser incômodo ver a sem-cerimônia com que a
diplomacia se entrega a sua leitura
torta do que deve ser "realpolitik".
Quando a Bélgica integrava o círculo de potências coloniais, o rei
Leopoldo 2º qualificou assim a gestão que promovia no Congo: "Nosso objetivo final é um trabalho de
paz". Uma campanha internacional expôs a pilha de corpos mutilados que os colonizadores deixavam
para trás, e gente como o escritor Joseph Conrad tratou de esmiuçar a
metafísica da selvageria.
Agora que o Brasil acha ser integrante da versão século 21 desse
clube, somos iluminados pelas palavras esclarecedoras do chanceler
Celso Amorim: "Negócios são negócios". Ufa, né?
Felizmente vivemos uma era
mais civilizada; a barbárie agora é
terceirizada, e cadáveres são "assuntos internos". Importa pouco
quantos deles são produzidos em
Guinés, Irãs e Cubas da vida. Não
esperem Lula, Obama ou Hu Jintao
condenados mundo afora.
Fosse vivo, Conrad teria matéria-prima abundante para um novo
"Coração das Trevas".
igor.gielow@uol.com.br
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