São Paulo, quarta-feira, 07 de julho de 2010

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Separando as questões

SÉRGIO CAVALCANTI


Dar o controle de meios de comunicação a grupos estrangeiros desvinculados dos interesses nacionais seria uma temeridade


Em discussões apaixonadas, há sofisma muito usado para quem desejar disfarçar o óbvio: a emoção é colocada na frente dos fatos. Quando a Abert (Associação Brasileira de Empresas de Rádio e Televisão) exige da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) um posicionamento sobre a presença de capital estrangeiro em portais de internet de caráter jornalístico, como o Terra, do Grupo Telefônica, os neoliberais de carteirinha disparam sua metralhadora giratória.
Eles veem xenofobismo, nacionalismo exacerbado, reserva de mercado e fantasmas reguladores na posição da Abert.
Gostaria de solicitar calma das partes envolvidas para definir as questões centrais corretamente e separar as questões acessórias delas decorrentes. Em relação a empresas jornalísticas brasileiras, a lei é clara e diz que só podem ter 30% de participação de estrangeiros.
Não precisamos de um especialista em mídia e jornalismo para responder que o portal Terra é uma empresa jornalística. Acesse www.terra.com.br e veja agora as últimas notícias do Brasil e do mundo. Política, economia, entretenimento e tudo que rádios, TVs e jornais publicam com "delays" variados. O Terra é, sim, empresa jornalística e descumpre a lei. Há algumas questões acessórias: a competição no setor jornalístico e a diversidade de veículos é boa para o país e a sociedade?
A resposta é sim, mas a questão central impõe limites.Esses limites foram definidos pela sociedade e podem até ser alterados, mas hoje existem e devem ser respeitados. A segunda questão é se grupos estrangeiros de mídia e jornalismo não poderiam aumentar a competição no setor, trazer tecnologias para o país e melhorar o mercado.
Para essa pergunta, a resposta não parece ser tão óbvia. Há grupos jornalísticos e de mídia como Globo, Bandeirantes, Abril, Folha, Estado, RBS (para citar alguns) que possuem qualidade editorial e de conteúdo assim como, pelo seu porte, acesso às mais sofisticadas tecnologias.
Não me parece defensável que o Terra, de controle estrangeiro, tenha agregado qualquer inovação significativa ou tenha trazido algo revolucionário ao setor. Outra questão: a consolidação de veículos de jornalismo e de mídia é um perigo à democracia? Concentração de poder é sempre preocupante, em qualquer setor.
Em comunicação é mais preocupante ainda e pode, sim, se tornar um perigo à democracia, seja ela privada ou seja de Estado. Por fim, devemos permitir o controle de veículos jornalísticos e de mídia por estrangeiros?
Desculpem-me os ingênuos acadêmicos e os defensores do mundo sem fronteiras, mas a resposta é não. Isso porque decisões e rumos sobre qualquer assunto de interesse nacional podem ser influenciados pelos veículos de informação. É muito a ser colocado nas mãos de grupos que não vivem aqui e não têm o destino das futuras gerações de brasileiros como prioridade. Dar o controle de meios de comunicação a grupos estrangeiros desvinculados dos interesses nacionais seria uma temeridade.
Nem nos EUA isso é permitido. Para aqueles que citarem a Fox TV como um contra-argumento, lembro que o Rupert Murdoch se naturalizou americano. Separando as questões, não fica mais fácil responder a elas?

SÉRGIO CAVALCANTI, mestre pela Universidade Stanford, é diretor do fundo de private equity New Frontier Investments e diretor da agência de marketing em redes sociais PeopleMedia. Foi diretor para a América Latina da Europ@Web, fundo francês de investimentos.


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