São Paulo, segunda-feira, 07 de agosto de 2006

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JOÃO SAYAD

Distribuições normais

FUNDAMENTALISTAS sofrem de uma esperança desesperada de que alguma coisa ou uma coisa só termine de vez com medo e sofrimento. Em tempos de paz e prosperidade, não são importantes. 90% da população é moderada e pertence ao centro. Os fundamentalistas -neoconservadores americanos, Hizbollah do Líbano, Hamas da Palestina e falcões de Israel- representam no máximo 10% do total, distribuídos igualmente à direita e à esquerda. A distribuição é normal, mas precária.
Pois medo e sofrimento podem alterá-la radicalmente. Depois do 11 de Setembro, a popularidade do presidente Bush aumentou. Em Israel, 80% da opinião pública concorda que se matem cinco civis para cada guerrilheiro. O Hizbollah tende a ser maioria no Líbano. Libaneses moderados partirão em diáspora como os judeus. Uma única população se dividirá em duas, de espécies diferentes, como jacarés e lagartos. O que hoje chamamos de Líbano desaparecerá.
Somos 190 milhões de brasileiros. Produzimos R$ 2 trilhões por ano. A renda média de cada família é de R$ 4.000 por mês. Na realidade, a maioria dos brasileiros ganha R$ 300 ou menos por mês. Já somos duas espécies diferentes -os ricos e os pobres- que vivem no Brasil em lugares diferentes e não casam entre si. A média é um mito.
A taxa de inflação é outro mito. Quando a inflação era de 40% ao ano, no primeiro choque de petróleo, em 74, a gasolina subia 60% ao ano enquanto a maioria dos preços subia 20%. Nenhum preço subia à taxa média. Se a inflação for 4% ao ano, a mesma coisa acontece com menos intensidade: alguns preços crescem a 5% e a maioria cresce a 3%.
Por isso, os juros reais são muito maiores do que 10% para as empresas competitivas e menores -feirantes, camelôs, bóias-frias, agricultores, confecções, indústria têxtil, de alimentos e outras cujos preços crescem abaixo da média.
Para as empresas grandes, o juro real tende a ser menor do que 10%. E, em geral, elas têm acesso a financiamento internacional. Quando os juros aumentam, as empresas competitivas enfrentam dificuldades para sobreviver. As grandes param de investir, demitem e compram títulos da dívida pública. Um desastre.
O último Copom concluiu que os juros nominais caíram muito, embora os juros reais tenham subido. Será que vão parar de reduzir os juros? Continuaremos a crescer pouco e a empregar pouco. Pequenas empresas sobreviverão sonegando impostos. A agricultura continuará em crise. Os dois países ficarão mais distantes: o país "corporate" na Vila Olímpia, e o PCC, nas zonas sul e leste. No futuro, em alguma eleição, aqui também, vencerá o Hizbollah.
jsayad@attglobal.net


JOÃO SAYAD escreve às segundas-feiras nesta coluna.


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