São Paulo, segunda-feira, 07 de agosto de 2006

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PLÍNIO FRAGA

Ressaca da esquerda festiva

RIO DE JANEIRO - Em um jantar em Porto Alegre, durante o Fórum Social Mundial de 2003, o ministro da Cultura de Cuba, Abel Prieto, citava uma frase de Fidel Castro para resumir uma de suas linhas-mestras no cargo: "No le dicemos ao pueblo cree, sino lee". A tradução correta para a frase de Castro seria algo como: "Não dissemos ao povo que acredite, mas que leia".
No jantar com pouco mais de uma dezena de convidados, entre eles o escritor Tariq Ali e o sociólogo Boaventura de Sousa Santos, o ministro cubano cumpria o papel de entreter o último grupo para a última taça de vinho, quando citou a frase de Fidel Castro. Prieto é um escritor moreno, alto, usa costeletas, estava acompanhado de uma ruiva californiana e tem extensa rede de amigos no Brasil -há poucas semanas estava por aqui outra vez.
Para provocá-lo, foi feita uma tradução mais livre da frase do ditador cubano: não dissemos ao povo em que acreditar, mas o que ler. Prieto, bem-humorado, riu do gracejo e convidou o autor para que visitasse Cuba com ele, quando poderia mostrar que há "total liberdade" de imprensa e que não há livros proibidos no país. Desta feita, foi o grupo que ouvia Prieto quem riu.
Como já era final de festa, os convidados decidiram apertar Prieto e perguntar por que Pedro Juan Gutierrez, um dos escritores cubanos mais conhecidos no Brasil, não era bem visto por Cuba. "Você o acha transgressor? Pois digo: em Cuba há autores muito mais transgressores", responde. Por que não se publica Cabrera Infante, o mais célebre dos escritores dissidentes? "Publicaríamos, se houvesse algum interesse. Em Cuba, ninguém quer ler Cabrera Infante!"
A esquerda festiva sempre usara com algum comedimento a expressão ditadura cubana -até vê-la face a face, a dizer que era água, o que se sabia vinho.


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