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PLÍNIO FRAGA
Ressaca da esquerda festiva
RIO DE JANEIRO - Em um jantar
em Porto Alegre, durante o Fórum
Social Mundial de 2003, o ministro
da Cultura de Cuba, Abel Prieto, citava uma frase de Fidel Castro para
resumir uma de suas linhas-mestras no cargo: "No le dicemos ao
pueblo cree, sino lee". A tradução
correta para a frase de Castro seria
algo como: "Não dissemos ao povo
que acredite, mas que leia".
No jantar com pouco mais de
uma dezena de convidados, entre
eles o escritor Tariq Ali e o sociólogo Boaventura de Sousa Santos, o
ministro cubano cumpria o papel
de entreter o último grupo para a
última taça de vinho, quando citou
a frase de Fidel Castro. Prieto é um
escritor moreno, alto, usa costeletas, estava acompanhado de uma
ruiva californiana e tem extensa rede de amigos no Brasil -há poucas
semanas estava por aqui outra vez.
Para provocá-lo, foi feita uma tradução mais livre da frase do ditador
cubano: não dissemos ao povo em
que acreditar, mas o que ler. Prieto,
bem-humorado, riu do gracejo e
convidou o autor para que visitasse
Cuba com ele, quando poderia mostrar que há "total liberdade" de imprensa e que não há livros proibidos
no país. Desta feita, foi o grupo que
ouvia Prieto quem riu.
Como já era final de festa, os convidados decidiram apertar Prieto e
perguntar por que Pedro Juan Gutierrez, um dos escritores cubanos
mais conhecidos no Brasil, não era
bem visto por Cuba. "Você o acha
transgressor? Pois digo: em Cuba
há autores muito mais transgressores", responde. Por que não se publica Cabrera Infante, o mais célebre dos escritores dissidentes? "Publicaríamos, se houvesse algum interesse. Em Cuba, ninguém quer ler
Cabrera Infante!"
A esquerda festiva sempre usara
com algum comedimento a expressão ditadura cubana -até vê-la face
a face, a dizer que era água, o que se
sabia vinho.
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