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TENDÊNCIAS/DEBATES
É positiva a reforma da lei de direitos autorais nos termos propostos pelo governo federal?
NÃO
O fantasma do controle social
ROBERTO CORRÊA DE MELLO
Artistas, editores e intelectuais
brasileiros, representados por 22
entidades reunidas no Comitê Nacional de Cultura e Direitos Autorais (CNCDA), estão em estado absoluto de alerta e perplexidade.
Vivemos um momento na história desse país em que toda uma cadeia produtiva -a da cultura- vê
seus direitos legítimos, conquistados à custa de 12 anos de engajamento pacífico e de debates públicos para a criação da lei dos direitos
autorais, em 1998, ameaçados por
uma proposta de revisão que parte
justamente de quem deveria, por
princípio, protegê-los.
O anteprojeto que prevê mudanças na lei nº 9.610, submetido pelo
Ministério da Cultura a consulta
pública é, antes de tudo, clara tentativa de intervencionismo estatal.
A pretexto de democratizar o
acesso da população à cultura e de
trazer para o texto o mundo digital
-já contemplado na lei em vigor-,
a proposta ministerial, em resumo,
pretende tornar público o que
é privado.
Entre outras inconsistências e
aberrações jurídicas, o texto apresentado pelo MinC carrega argumentos inconstitucionais.
Ao propor a intervenção governamental nas associações de gestão coletiva dos direitos autorais
(órgãos privados, fiscalizados por
seus próprios associados), o anteprojeto vai de encontro ao artigo 5º
da Constituição brasileira, que versa que "a criação de associações e,
na forma da lei, a de cooperativas
independem de autorização, sendo
vedada a interferência estatal em
seu funcionamento".
Faz-se necessário, também, esclarecer que a alegação do MinC de
que a formulação do anteprojeto é
fruto de ampla consulta é, além de
tudo, enganosa, já que as próprias
associações empenhadas na defesa
do direito de autor foram excluídas
do debate. Ou melhor, começam a
ser chamadas agora, às pressas, para levar sua contribuição ao texto.
De que outra maneira constariam do texto propostas absurdas
como a criação de "licenças não voluntárias", que outorgam ao presidente da República o poder de conceder a autorização de uso de obras
privadas quando da negativa do
próprio autor?
De que outra maneira se proporia a penalização de autores que
"de forma injustificada", como diz
o anteprojeto, não autorizem terceiros a utilizar sua própria criação?
Escondido nessa linha argumentativa está o fantasma do "controle
social", que ora assombra a imprensa livre brasileira, ora a produção cultural do país.
As prerrogativas dessa proposta
de revisão estão apoiadas em uma
temível confusão do que se entende
em todo o mundo livre por direito
de autor com direito do consumidor. Não é aceitável tomar de assalto o direito privado com a justificativa de fazer algo entendido por alguns como justiça social.
Em momentos não tão distantes
de nossa trajetória como nação, vimos, guardadas as devidas diferenças ideológicas, métodos semelhantes de intervencionismo estatal na iniciativa privada que tiveram resultados desastrosos.
Esperamos não apenas a participação de artistas, editores e intelectuais nessa discussão, mas a de toda a sociedade brasileira, principal
interessada na manutenção dos valores fundamentais de um legítimo
Estado democrático de Direito.
ROBERTO CORRÊA DE MELLO é presidente da
Abramus (Associação Brasileira de Música e Artes),
diretor da ABDA (Associação Brasileira de Direito
Autoral), presidente do CNCDA (Comitê Nacional de
Cultura e Direitos Autorais) e membro do Grupo de
Trabalho de Dramaturgia, Literatura e Audiovisual
da Cisac (Confederação Internacional das
Sociedades de Autores e Compositores).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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