São Paulo, sábado, 07 de agosto de 2010

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TENDÊNCIAS/DEBATES

É positiva a reforma da lei de direitos autorais nos termos propostos pelo governo federal?

NÃO

O fantasma do controle social

ROBERTO CORRÊA DE MELLO

Artistas, editores e intelectuais brasileiros, representados por 22 entidades reunidas no Comitê Nacional de Cultura e Direitos Autorais (CNCDA), estão em estado absoluto de alerta e perplexidade.
Vivemos um momento na história desse país em que toda uma cadeia produtiva -a da cultura- vê seus direitos legítimos, conquistados à custa de 12 anos de engajamento pacífico e de debates públicos para a criação da lei dos direitos autorais, em 1998, ameaçados por uma proposta de revisão que parte justamente de quem deveria, por princípio, protegê-los.
O anteprojeto que prevê mudanças na lei nº 9.610, submetido pelo Ministério da Cultura a consulta pública é, antes de tudo, clara tentativa de intervencionismo estatal.
A pretexto de democratizar o acesso da população à cultura e de trazer para o texto o mundo digital -já contemplado na lei em vigor-, a proposta ministerial, em resumo, pretende tornar público o que é privado.
Entre outras inconsistências e aberrações jurídicas, o texto apresentado pelo MinC carrega argumentos inconstitucionais.
Ao propor a intervenção governamental nas associações de gestão coletiva dos direitos autorais (órgãos privados, fiscalizados por seus próprios associados), o anteprojeto vai de encontro ao artigo 5º da Constituição brasileira, que versa que "a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento".
Faz-se necessário, também, esclarecer que a alegação do MinC de que a formulação do anteprojeto é fruto de ampla consulta é, além de tudo, enganosa, já que as próprias associações empenhadas na defesa do direito de autor foram excluídas do debate. Ou melhor, começam a ser chamadas agora, às pressas, para levar sua contribuição ao texto.
De que outra maneira constariam do texto propostas absurdas como a criação de "licenças não voluntárias", que outorgam ao presidente da República o poder de conceder a autorização de uso de obras privadas quando da negativa do próprio autor?
De que outra maneira se proporia a penalização de autores que "de forma injustificada", como diz o anteprojeto, não autorizem terceiros a utilizar sua própria criação?
Escondido nessa linha argumentativa está o fantasma do "controle social", que ora assombra a imprensa livre brasileira, ora a produção cultural do país.
As prerrogativas dessa proposta de revisão estão apoiadas em uma temível confusão do que se entende em todo o mundo livre por direito de autor com direito do consumidor. Não é aceitável tomar de assalto o direito privado com a justificativa de fazer algo entendido por alguns como justiça social.
Em momentos não tão distantes de nossa trajetória como nação, vimos, guardadas as devidas diferenças ideológicas, métodos semelhantes de intervencionismo estatal na iniciativa privada que tiveram resultados desastrosos.
Esperamos não apenas a participação de artistas, editores e intelectuais nessa discussão, mas a de toda a sociedade brasileira, principal interessada na manutenção dos valores fundamentais de um legítimo Estado democrático de Direito.


ROBERTO CORRÊA DE MELLO é presidente da Abramus (Associação Brasileira de Música e Artes), diretor da ABDA (Associação Brasileira de Direito Autoral), presidente do CNCDA (Comitê Nacional de Cultura e Direitos Autorais) e membro do Grupo de Trabalho de Dramaturgia, Literatura e Audiovisual da Cisac (Confederação Internacional das Sociedades de Autores e Compositores).

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br


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