São Paulo, sábado, 07 de setembro de 2002

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LUCIANO MENDES DE ALMEIDA

Soberania nacional

Na semana da pátria, está em curso a coleta de assinaturas em relação à Alca. Trata-se da Área de Livre Comércio das Américas. Consiste na proposta de um acordo que consiga reunir os 34 países das Américas, com exceção de Cuba, na perspectiva de integração social e política com base no modelo de livre comércio. A proposta surgiu na 1ª Cúpula de Chefes de Estado e Governo das Américas, que se realizou em Miami no ano de 1994. O atual governo dos Estados Unidos retomou a intenção de formar na América o maior bloco da economia globalizada, atingindo 800 milhões de habitantes.
À primeira vista, o acordo abriria espaço para estreitar laços de cooperação entre os países, à semelhança do que ocorre na Comunidade Européia. No entanto as bases do acordo apresentam graves aspectos negativos, que requerem profunda reflexão de modo a assegurar a dignidade dos indivíduos e das comunidades.
1. A questão mais séria é a da soberania das nações. Com efeito, são muito pesadas as exigências do capital financeiro internacional, que reduzem o poder de decisão dos dirigentes dos países e impõem restrições à qualidade de vida da população. O comércio e os investimentos desligam-se do controle da cidadania e da autoridade dos governos, passando para as corporações transnacionais e tribunais comerciais o poder de operar de forma independente e secreta. Os mecanismos de relação entre o Estado e os investidores permitirão às corporações estrangeiras gozar de direitos particulares na utilização de instância de arbitragem internacional, limitando o dever e a capacidade dos governos de proteger o ambiente, a saúde e outros valores diante dos interesses comerciais e prioritários.
2. A proteção indiscriminada aos investimentos, com garantia total para seus lucros, prejudica a promoção das políticas sociais. Entre as consequências negativas da aplicação dos princípios da Alca está o risco de perder conquistas na área dos direitos dos trabalhadores nos diferentes países -como a diminuição de férias, a alteração do 13º salário, o fim da licença de maternidade, da aposentadoria e de outros.
3. Como prova dessa situação deletéria, é preciso considerar o que vem acontecendo em países que adotaram políticas semelhantes às estabelecidas pela Alca. São os casos do México e do Canadá, onde cresceu o número dos empobrecidos e diminuíram os postos de trabalho. Merece reflexão o recente documento elaborado pela Conferência dos Bispos do Canadá com o título "Vendendo o Futuro". O texto aponta os detrimentos da Nafta e da Alca e alerta para o fato de que a produção de riquezas não leva à distribuição mais equitativa dos benefícios, pois a "nova economia" produz aceleradamente maior desigualdade entre ricos e pobres.
4. É por isso que o exercício da nossa soberania nos leva a colocar em questão e recusar a proposta da Alca, que traz vantagens apenas para as grandes empresas internacionais.
O atual plebiscito nacional e o "grito dos excluídos" servirão para despertar no dia da pátria a consciência dos cidadãos em defesa da soberania, da justiça social e da fraternidade entre os povos.
À igreja, em cumprimento de sua responsabilidade diante de Deus e unida às forças vivas da sociedade, compete salvaguardar os valores éticos, contribuir para humanizar os acordos internacionais e encontrar caminhos justos alternativos para assegurar condições dignas de vida para todos.


Dom Luciano Mendes de Almeida escreve aos sábados nesta coluna.



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