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CARLOS HEITOR CONY
A grande mala
RIO DE JANEIRO - "Pátria, latejo em ti." Não me lembro de quem é esse
verso -até o final da crônica vou telefonar para o Luís Edgar de Andrade, ele sabe tudo e deve saber de
quem é esse latejo em ti. Meu é que
não é.
De qualquer forma, hoje é dia da
pátria, e não se deve brincar com efemérides cívicas. Nos tempos de regime militar, dava até cana. Quando
servia no CPOR aqui do Rio, engraxava as botas e o fuzil Mauser modelo 1918 para o caso de ir parar na parada, mas era dispensado, o Sábato
Magaldi, que foi meu colega de caserna, até hoje me goza porque eu era o
único aluno que não sabia marchar.
Mas os colegas iam, os de artilharia
empurravam um canhão esquisito
que nunca dera um tiro. Os da cavalaria lustravam os cavalos, mas faziam feio, a plebe rude ovacionava os
Dragões da Independência que tinham um uniforme digno de um baile de ""A Viúva Alegre" montada pelo
Franco Zeffirelli.
Devo ao dia da pátria, entre outras
emoções, uma espinafração do meu
professor de latim. Dera-me para traduzir uma frase que tinha tanto de
latim quanto eu tenho de autodesenvolvimento sustentável.
A frase era de Sêneca: "Nemo amat
patria sua quia est magna,
sed quia est sua". A tradução está
na cara: "Ninguém ama a sua pátria
porque ela é grande, mas porque ela é
sua". Fiz a tradução óbvia, mas
acrescentei um comentário: "Isso é
mesmo latim?". O professor não gostou e me deu zero -um dos muitos
zeros que colecionei ao longo da vida
e que, de certa forma, coleciono até
hoje. Mesmo assim, esse zero ainda
me dói, sobretudo em cada Sete de
Setembro. Tenho vontade de amar a
minha pátria porque ela não é grande, mas é minha.
Lembro o zero que tirei e fico na dúvida se devo mesmo amá-la, pois
amá-la é sopa, mas de que serve a
mala se eu não tenho roupa?
P.S.: O Luís Edgar de Andrade não
estava em casa.
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