São Paulo, sábado, 07 de setembro de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O Plano Diretor de São Paulo contribuirá para a melhoria do trânsito na cidade?

NÃO

Sinfonia inacabada

JOSEF BARAT

Merece louvor a iniciativa do Executivo municipal em encaminhar à aprovação da Câmara de vereadores o projeto de lei que instituiu o Plano Diretor Estratégico e o Sistema de Planejamento e Gestão do Desenvolvimento Urbano do Município.
É um fato auspicioso a firme retomada da preocupação com o futuro da cidade de São Paulo e com a sua inserção metropolitana após quase uma década de esvaziamento dos núcleos de inteligência para a formulação de estratégias de longo prazo e de desmantelamento dos mecanismos de planejamento.
Mas, se a iniciativa da prefeitura merece elogios, as mudanças oportunistas ocorridas na tramitação do projeto de lei na Câmara inspiram preocupações. Restringindo-me à questão dos transportes, creio ser oportuno expor algumas delas.
De início, não há reparos a fazer na formulação e nos conceitos apresentados na subseção 3, "Da Circulação Viária e Transportes", do texto aprovado. Trata-se de um conteúdo abrangente e, sobretudo, consistente, retomando, numa linguagem mais atual, os objetivos, diretrizes e ações estratégicas em voga nos anos 70. Que, aliás, foram abandonados nas duas últimas décadas pelo retrocesso sofrido nas atividades relacionadas com planejamento de longo prazo nos três níveis da administração pública, pelo fato de termos nos tornado reféns das políticas de curto prazo formuladas, recorrentemente, para conter as crises inflacionárias e financeiras.
Para dar um exemplo, é correta a diretriz exposta no artigo 83, inciso III, do Plano Diretor de adequar "a oferta de transportes à demanda, compatibilizando seus efeitos indutores com os objetivos e diretrizes de uso e ocupação do solo, contribuindo, em especial, para a requalificação dos espaços urbanos e fortalecimento de centros de bairros".
Mas essa diretriz se torna inócua, quando modificações arbitrárias nos zoneamentos e nos índices de ocupação do solo acabam por impor uma geração de tráfego incompatível com a capacidade do sistema viário. O adensamento ou a criação de corredores comerciais ao sabor de interesses político-eleitorais e empresariais agrava, sem dúvida, os problemas de circulação e congestionamento. E as mudanças impostas pela Câmara acarretarão esses problemas
Por outro lado, sabe-se que o transporte de massa é forte indutor da estruturação do espaço urbano, promovendo adensamentos e direcionando a expansão das cidades. O transporte sobre trilhos (metrô e trens metropolitanos) e de ônibus em corredores estruturais deve responder às exigências da demanda existente, mas a ampliação da oferta acaba também por reconfigurar e condicionar a demanda futura.
Por isso, os adensamentos ao longo dos eixos ou corredores de transporte de massa devem ser planejados e tornarem-se compatíveis com a capacidade de transporte oferecida. Assim, devemos estar atentos a dois problemas:
1 - O Estado e a prefeitura devem se entender quanto ao potencial, limites e regras do processo de adensamento;
2 - A prefeitura (responsável pelo transporte por ônibus e pela circulação e trânsito) deve impedir que alterações indevidas de zoneamento criem estrangulamentos na oferta de espaço viário ou restrições na disponibilidade do transporte coletivo.
Os adensamentos, quando planejados e coordenados com a oferta do transporte, permitem um melhor aproveitamento de espaços que já dispõem de infra-estruturas e, portanto, uma redução nos custos da urbanização.
A liberação de corredores comerciais, as alterações nos índices de ocupação e as chamadas Operações Urbanas, por sua vez, podem contribuir para a revitalização de áreas estagnadas ou decadentes. Tudo isso é verdade. Mas, se já na aprovação do Plano Diretor na Câmara as mudanças foram feitas sem planejamento e ao sabor de interesses dos vereadores -dando ensejo, por exemplo, à criação de pólos geradores de tráfego em áreas onde a não infra-estrutura viária para tanto-, com certeza teremos problemas de circulação e transporte no futuro imediato.
E, se a implantação de uma linha de metrô, por sua vez, dá oportunidade a uma especulação desenfreada com terrenos, com a apropriação exclusivamente privada da "mais valia" gerada por um investimento público, aí a questão se torna ainda mais grave.
No caso dos transportes, o Plano Diretor e o Sistema de Planejamento e Gestão do Desenvolvimento Urbano correm o risco de se tornar movimentos de uma sinfonia inacabada. Isto, se não forem estabelecidos mecanismos institucionais rigorosos que propiciem a coordenação de programas e projetos entre prefeitura e Estado.


Josef Barat, 62, economista, é membro do Conselho de Economia, Sociologia e Política da Federação do Comércio do Estado de São Paulo. Foi secretário de Transportes do Estado do Rio de Janeiro (governos Faria Lima e Moreira Franco) e presidente da Empresa Metropolitana de Transportes do Estado de São Paulo (1979-80).



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