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JOSÉ SARNEY
A construção do Brasil
A DATA DE hoje, Dia da Independência, o Sete de Setembro, é o chamado tema impositivo. Dizem ser uma tendência mundial o lento e gradual -como
seria a fórmula Geisel para a democracia- declínio do sentimento de
pátria, usurpado pela outra inexorável ascensão do universalismo,
por meio da globalização cada dia
mais presente.
A verdade é que o entusiasmo e o
orgulho de pátria estão marchando
para ser mais uma exaltação de torcidas esportivas do que a transcendência de um orgulho de nacionalidade, um dever de nascimento,
uma identidade de alma e corpo.
Essa transformação levou o patriotismo a refugiar-se nos escalões
militares e nos velhos saudosistas
da minha geração.
Virou moda falar mal do país,
realçar suas mazelas, fazer carreirismo na denúncia de suas injustiças. Desapareceram os movimentos cívicos. Baniram-se do cotidiano e das rotinas das escolas os símbolos, bandeiras e hinos. O Brasil
perdeu suas utopias e não está
construindo novas. As ideologias
da internacionalização se encarregaram de acabar com elas, e as comunicações fizeram crescer a percepção de um mundo só, cultivador
não do "mal du siècle" (19), mas de
um desprezo a tudo que cheira a
patriotismo, palavra tornada quase
anacrônica. Mas temos tanto de
que nos orgulhar do nosso país.
O Brasil é uma construção de um
milagre civil. Ao contrário da América espanhola, feita em batalhas e
guerras, empunhamos as armas da
criação de instituições, amarrando
os cavalos na porta da cadeia velha,
onde os nossos "founding fathers"
discutiam três poderes, liberdade,
habeas corpus, imprensa, direitos
civis, belos sonhos num reinado de
poder absoluto. À frente, José Bonifácio, que passara 36 anos na Europa -não veio com dom João- e
que aqui chegou em 1819 com as
idéias do Iluminismo, organizando
o novo país, com identidade própria, criado na miscigenação.
A independência ocorreu num
contexto de descolonização da
América, a começar pela Guerra de
Independência dos EUA.
O Sete de Setembro não é o Grito
do Ipiranga nem dom Pedro 1º. É a
grandeza do processo da construção do Brasil, obra civil e política,
garantida a unidade pela espada
dos militares. Somos hoje um dos
maiores países do mundo, sem
problemas raciais, étnicos, de religião, de fronteira. Como toda construção, resta-nos resolver os difíceis problemas da igualdade, quer
no plano dos indivíduos quer no
plano regional.
Na independência, faltou a coragem de abolir a escravidão e promover a integração dos índios. Essa lacuna tornou-se em mancha
inapagável que abafou o Grito do
Ipiranga.
jose-sarney@uol.com.br
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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