|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Equívoco do parlamentar
WAGNER GOMES
Os metroviários continuarão a defender suas conquistas, o transporte público e o direito do usuário de ter uma ampla rede de metrô
É LAMENTÁVEL que a passagem
do deputado federal Ricardo
Izar (PTB-SP) pelo Centro Acadêmico 22 de Agosto, do curso de direito da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), e seus
mais de 32 anos de vida parlamentar
não tenham lhe acrescentado nenhum aprendizado sobre as relações
humanas, o respeito às divergências e
a tolerância aos contrários.
Os 21 anos de liberdade democrática vividas no Brasil não foram suficientes para mudar a concepção totalitária e truculenta que orientou o início da vida política do deputado Ricardo Izar durante o obscuro período
da ditadura militar.
Mais lamentável ainda é que o deputado, pós-graduado em direito penal pela PUC-SP, presidente do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar
da Câmara dos Deputados, acostumado a lidar com calúnias, mentiras e difamações, não tenha tido o cuidado de checar as informações a respeito dos
reais motivos que levaram os metroviários à greve.
É preocupante que um parlamentar com as responsabilidades que tem
o deputado Ricardo Izar faça um artigo duro e enfático, com pesadas acusações e taxativas orientações de punições baseado apenas no argumento
de que, "pelo que nos consta, a questão maior envolvida seria uma eleição
que se avizinha para a renovação da
presidência do Sindicato dos Metroviários" ("Terrorismo sindical",
"Tendências/Debates", 23/8).
Acreditar que uma disputa eleitoral
desviaria do caminho da seriedade e
do respeito pela população os metroviários -que desempenham seu papel com orgulho e competência e que
têm reconhecidas sua eficiência e sua
dedicação- é, no mínimo, infantilidade ou má-fé.
Como não acredito que o presidente do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara agiria de má-fé,
lamento que tenha sido enganado por
pessoas que o assessoram.
Sobre a paralisação dos dias 2 e 3 de
agosto, temos a esclarecer ao senhor
deputado, aos demais parlamentares
e à população em geral que os metroviários estavam defendendo o recebimento da participação nos resultados
(PR) de forma igual para todos, como
acontece desde 1995.
O que ocorreu dessa vez foi que, em
seu primeiro ano de governo, o senhor José Serra, extrapolando suas
atribuições, interferiu na organização
e na autonomia sindical e tentou impor aos trabalhadores a distribuição
da PR de forma proporcional, privilegiando chefes, gerentes e diretores do
Metrô, que receberiam até cinco vezes mais do que os demais.
Cabe ressaltar que a negociação da
PR com a empresa se limita à discussão do montante a ser distribuído e
sobre quais metas devem ser atingidas para que os trabalhadores façam
jus ao recebimento. A forma de distribuição da PR é prerrogativa dos trabalhadores, que, para isso, discutem
com seu sindicato em assembléia.
O deputado, em vez de destilar sua
ira contra os metroviários e suas lideranças, pregando algema, prisão e expropriação da entidade sindical, deveria conduzir sua energias para apurar os massacres do Carandiru, da
Castelinho, de Eldorado do Carajás,
os assassinatos de sem-terras e pequenos agricultores, as mortes em
hospitais públicos por precariedade
de estrutura e funcionamento, o
abandono do transporte metroviário
na cidade de São Paulo nos últimos 12
anos e a entrega de serviços públicos
para as "organizações sociais" -verdadeiros ralos do dinheiro público; e
ainda deveria ter se indignado com as
privatizações criminosas do patrimônio público, como no caso da Companhia Vale do Rio Doce.
Enfim, deputado, apesar de sua ira
e a despeito de sua opinião, os metroviários continuarão a defender suas
conquistas, o transporte público e o
direito do usuário de ter uma ampla
rede de metrô, público, estatal, de
qualidade, com tarifas sociais, e não
um minúsculo metrô em dia de greve.
Não será uma ação truculenta de
parlamentares -com sua concepção
antidemocrática, que pretende tirar
dos trabalhadores o direto de lutar e
se defender- que nos intimidará. No
condenável período da ditadura militar, diversos trabalhadores morreram
torturados, se rebelando contra leis
(AI-5) que, hoje, Vossa Excelência
quer ver reeditadas, e não será diferente agora.
Por isso, ameaças de vozes como a
de Vossa Excelência não intimidarão
metroviários, petroleiros, professores, médicos, metalúrgicos, bancários, condutores e nenhum outro trabalhador que queira diminuir as desigualdades no Brasil e ter seus direitos
e conquistas respeitados.
WAGNER GOMES, 50, metroviário, é vice-presidente da
CUT (Central Única dos Trabalhadores) e ex-presidente do
Sindicato dos Metroviários de São Paulo.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Fábio Ulhoa Coelho: Lula e o STF Próximo Texto: Painel do Leitor Índice
|