São Paulo, domingo, 07 de setembro de 2008

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CLAUDIO ANGELO

Morcego verde

CEM DIAS depois de assumir o Ministério do Meio Ambiente, Carlos Minc Baumfeld sedimentou uma nova maneira de fazer política ambiental no Brasil: por ecolocação. Como um morcego numa caverna escura, Minc passa o tempo todo emitindo guinchos em várias direções e esperando que eles ecoem (na imprensa). Quando encontra um obstáculo, troca de direção, mesmo que isso signifique voar de marcha-à-ré.
Um dos recuos mais recentes ocorreu no terreno espinhoso da reserva legal na Amazônia. Primeiro, Minc fechou com seu mais novo amigo de infância, Reinhold Stephanes (Agricultura), um acordo supimpa para permitir a plantação de dendê em até 50% da área das propriedades rurais da Amazônia.
"Quem tudo quer, tudo perde", justificou-se na ocasião, dizendo que as regras de preservação não podiam ser rígidas demais. Enquadrado pelas ONGs, aparentemente mudou de idéia. Antes disso, prometeu mudar a lei para acelerar a concessão de licenças ambientais e recuou; lançou a idéia de uma superguarda ambiental na Amazônia que não chegou nem a entrar no papel. Ameaçou apreender bois piratas no pasto, depois disse que iria apenas marcá-los, para finalmente micar com milhares de cabeças que ninguém queria comprar e acabaram sendo leiloadas a preço de carne de segunda. (O projeto do boi pirata havia sido descartado por Marina Silva, por razões óbvias.) Em agosto, anunciou três vezes o mesmo dado de desmatamento.
Nada disso parece constranger Minc. Ao contrário, cada desdito é mais uma oportunidade de aparecer nos jornais. Só nesta Folha foram 263 citações de maio a agosto, mais do que sua antecessora teve em todo o ano de 2007 (211).
Por um lado, esse vôo cego ainda não produziu nenhum dano ao patrimônio ambiental brasileiro. Notavelmente, Minc conseguiu manter a principal medida do governo no setor, o decreto de dezembro de 2007 que determina a suspensão de crédito rural a desmatadores.
Por outro, o ministro já deixou claro que não está lá para dizer o que pode e o que não pode ser feito, mas sim quantas árvores o empreendedor vai precisar plantar depois para "compensar" o impacto que causará. Foi assim, na base do "dois para lá, dois para cá", que Minc licenciou a obra mais polêmica do governo Lula, a hidrelétrica de Santo Antônio. Trocou a licença de instalação pela "adoção" pelo empreendimento de dois parques, ignorando um parecer do Ibama contrário à usina.
Ambientalistas de alto calibre já se perguntam se, com tanta coisa a compensar, sobrará alguma coisa a conservar no país quando Minc e seus coletes deixarem o ministério. Mas, num país cuja ministra-chefe da Casa Civil chama de "futuro" um poço de petróleo de 300 milhões de anos de idade, Minc é o homem certo no lugar certo.


CLAUDIO ANGELO é editor de Ciência .


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