São Paulo, domingo, 07 de outubro de 2007

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Falsa reforma

O voto não é do partido nem do candidato: é do eleitor, e é este quem se vê solenemente traído no atual sistema

SAUDADA como o primeiro passo rumo à reforma política, a decisão do STF sobre a fidelidade partidária constitui mais um sintoma das profundas deficiências do atual sistema, às quais responde de forma ambígua e emergencial, do que um mecanismo eficaz para começar a corrigi-las.
Decidiu-se que o mandato do parlamentar pertence ao partido que o elegeu. O princípio, que tem efeitos sem dúvida moralizadores ao barrar o escândalo das trocas de legenda sempre na direção do governo de turno, repousa entretanto numa hipótese matemático-formal, e não na avaliação concreta do que terá sido a vontade do eleitor. Como saber, de fato, qual a expectativa do cidadão quando depositou sua confiança no candidato de determinado partido? Votou no partido ou no candidato?
É também duvidoso que, com a decisão do STF, uma estrutura partidária digna desse nome venha a se solidificar. Impedidos de sair de uma legenda amorfa, como são praticamente todas as que agora existem, muitos parlamentares propensos à chamada infidelidade constituiriam um fator a mais de desagregação e impureza no próprio arraial de origem; e a este não faltarão, por certo, quadrilhas onde evoluir com a usual desenvoltura.
Se algo de importante resulta da ação do STF, é o fato de apontar para a necessidade de uma reforma política abrangente. Depois de décadas de inércia, talvez agora o Legislativo brasileiro se veja compelido a dedicar-se ao tema com algum afinco.
Coloca-se num patamar concreto de discussão, a partir de agora, a proposta do voto distrital misto. Seria o método capaz de resolver, sem ambigüidades, a questão de se o eleitor vota no partido ou no candidato.
Nesse sistema, os dois tipos de voto se conciliam. O eleitor manifesta sua preferência tanto pelo nome individual de um candidato em seu distrito quanto por outro, a ser escolhido numa lista partidária aberta; somente neste último caso, assim, seria legítimo dizer que o mandato do eleito pertence à agremiação.
O fim das coligações partidárias em pleitos proporcionais é outro ponto capaz de diminuir a desproporção entre a insignificância individual de uma candidatura e o benefício que lhe presta o voto de legenda. Hoje, candidatos patrocinados por agremiações minúsculas se elegem com o excedente dos votos destinados ao partido mais representativo da coligação; não há passaporte mais fácil para a proliferação de legendas inautênticas.
Proliferação esta, aliás, que o STF contribuiu para manter em decisão recente. Considerou desnecessário que uma legenda tivesse um mínimo de votos para ter acesso privilegiado ao Fundo Partidário; esta questão, a chamada cláusula de barreira, é mais um exemplo dos pontos a implementar numa reforma política.
Não há como fazê-la em profundidade se tudo depender das interpretações de jurisconsultos. O sistema é inoperante e contraditório nos seus próprios termos e lacunas. Cumpre trazer a discussão ao conjunto da sociedade. O voto, a rigor, não é do partido nem do candidato: é do eleitor, e é este quem se vê solenemente traído -por partidos e candidatos- enquanto persistem os absurdos do atual sistema.


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