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Falsa reforma
O voto não é do partido nem do candidato: é do eleitor, e é este quem se vê solenemente traído no atual sistema
SAUDADA como o primeiro
passo rumo à reforma política, a decisão do STF
sobre a fidelidade partidária constitui mais um sintoma
das profundas deficiências do
atual sistema, às quais responde
de forma ambígua e emergencial,
do que um mecanismo eficaz para começar a corrigi-las.
Decidiu-se que o mandato do
parlamentar pertence ao partido
que o elegeu. O princípio, que
tem efeitos sem dúvida moralizadores ao barrar o escândalo
das trocas de legenda sempre na
direção do governo de turno, repousa entretanto numa hipótese
matemático-formal, e não na
avaliação concreta do que terá sido a vontade do eleitor. Como saber, de fato, qual a expectativa do
cidadão quando depositou sua
confiança no candidato de determinado partido? Votou no partido ou no candidato?
É também duvidoso que, com a
decisão do STF, uma estrutura
partidária digna desse nome venha a se solidificar. Impedidos
de sair de uma legenda amorfa,
como são praticamente todas as
que agora existem, muitos parlamentares propensos à chamada
infidelidade constituiriam um
fator a mais de desagregação e
impureza no próprio arraial de
origem; e a este não faltarão, por
certo, quadrilhas onde evoluir
com a usual desenvoltura.
Se algo de importante resulta
da ação do STF, é o fato de apontar para a necessidade de uma reforma política abrangente. Depois de décadas de inércia, talvez
agora o Legislativo brasileiro se
veja compelido a dedicar-se ao
tema com algum afinco.
Coloca-se num patamar concreto de discussão, a partir de
agora, a proposta do voto distrital misto. Seria o método capaz
de resolver, sem ambigüidades, a
questão de se o eleitor vota no
partido ou no candidato.
Nesse sistema, os dois tipos de
voto se conciliam. O eleitor manifesta sua preferência tanto pelo nome individual de um candidato em seu distrito quanto por
outro, a ser escolhido numa lista
partidária aberta; somente neste
último caso, assim, seria legítimo
dizer que o mandato do eleito
pertence à agremiação.
O fim das coligações partidárias em pleitos proporcionais é
outro ponto capaz de diminuir a
desproporção entre a insignificância individual de uma candidatura e o benefício que lhe presta o voto de legenda. Hoje, candidatos patrocinados por agremiações minúsculas se elegem com o
excedente dos votos destinados
ao partido mais representativo
da coligação; não há passaporte
mais fácil para a proliferação de
legendas inautênticas.
Proliferação esta, aliás, que o
STF contribuiu para manter em
decisão recente. Considerou
desnecessário que uma legenda
tivesse um mínimo de votos para
ter acesso privilegiado ao Fundo
Partidário; esta questão, a chamada cláusula de barreira, é mais
um exemplo dos pontos a implementar numa reforma política.
Não há como fazê-la em profundidade se tudo depender das
interpretações de jurisconsultos.
O sistema é inoperante e contraditório nos seus próprios termos
e lacunas. Cumpre trazer a discussão ao conjunto da sociedade.
O voto, a rigor, não é do partido
nem do candidato: é do eleitor, e
é este quem se vê solenemente
traído -por partidos e candidatos- enquanto persistem os absurdos do atual sistema.
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