|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MARCOS NOBRE
Mitos constitucionais
"É
INCONSTITUCIONAL! "
Durante o governo FHC,
essa era a primeira coisa
que a oposição dizia. Durante o governo Lula, a oposição começa
sempre pelo bordão: "É um atentado às liberdades constitucionais!".
Uma Constituição democrática
mostra vitalidade e legitimidade
quando oposição e situação, direita
e esquerda, passam a invocá-la em
favor das posições que defendem.
Paradoxalmente, foram os embates em torno da revisão constitucional de 1993 e o empenho do governo FHC pelas reformas que
criaram condições para essa consolidação da Constituição como
núcleo do sistema político. Quanto
mais defeituoso se dizia que era o
texto, tanto mais se afirmava a supremacia da Carta de 1988.
Pode-se concordar ou não com
as alterações realizadas. Mas o fato
é que, a partir daquele momento, a
Constituição deixou de ser um texto abstrato e distante da realidade
e passou ao centro do debate
público.
Vários mitos foram derrubados
nesse caminho. Um deles dizia que
Constituição boa é aquela que muda pouco, como se escrever com bico de pena fosse garantia de qualidade.
Outro mito era o de que a
Constituição seria letra morta, que
teria uma função meramente simbólica. Como se um governo fosse
se empenhar tanto para obter três
quintos dos votos no Congresso,
em dois turnos de votação, para
mudar um mero conto de fadas.
Caiu por fim o mito de que o texto
constitucional seria contraditório:
não há texto legal unívoco e perfeitamente determinado.
A vantagem de uma Constituição
democrática é que o seu sentido
não pode ser fixado de antemão de
uma vez por todas. Ele está em permanente disputa.
Talvez essa seja a maior lição dos
últimos 20 anos. A construção de
uma institucionalidade democrática depois de uma longa ditadura
militar levou a imagens extremadas do poder do direito. Foi longo o
aprendizado de que o direito não é
nem a solução de todos os problemas nem um palavreado inútil. Ele
só se torna efetivo pelo sentido que
lhe dão as lutas sociais e políticas
pela sua interpretação.
É por isso que a atividade jurisprudencial e o funcionamento concreto dos tribunais se mostram
agora tão ou mais decisivos que o
processo legislativo. Pela mesma
razão, faz cada vez mais parte da
cultura política o princípio de que o
código próprio ao direito tem de
ser preservado e respeitado para
que a disputa pelo seu sentido possa se fazer segundo regras de liberdade e de igualdade. É a invocação
e o exercício dessas regras que impedem uma Constituição de se tornar letra morta e uma democracia
de definhar em autoritarismo.
nobre.a2@uol.com.br
MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta
coluna.
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: Dessa vez, vamos Próximo Texto: Frases
Índice
|