São Paulo, terça-feira, 07 de outubro de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

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Engenheiros para o desenvolvimento

MURILO CELSO DE CAMPOS PINHEIRO


O cenário atual era previsível. Ao longo de mais de duas décadas de estagnação, a engenharia perdeu relevância

OS GARGALOS na infra-estrutura nacional, como estradas e portos, constituem entraves ao desenvolvimento e há muito tempo ocupam as discussões sobre como retomar o crescimento no Brasil.
Com o reaquecimento da atividade econômica desde o ano passado, veio à tona um outro sério obstáculo à expansão, assim como à inovação e ao avanço científico e tecnológico: a escassez de mão-de-obra qualificada.
Tendo em vista obras e projetos previstos no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), a situação tende a se tornar ainda mais crítica.
O cenário atual era previsível. Ao longo de mais de duas décadas de estagnação, a engenharia perdeu relevância e os profissionais se viram sem espaço para atuar. O bloqueio ao crescimento restringiu seu papel, atrofiando sua inserção na sociedade e os impedindo de exercer sua vocação e aplicar sua capacidade técnica.
Como conseqüência natural, a mão-de-obra existente e que não encontrava oportunidade migrou para outras atividades e deixou de se atualizar; para os estudantes, uma carreira na engenharia não era tão atraente.
Por isso mesmo, no projeto "Cresce Brasil + Engenharia + Desenvolvimento", em que propõe um crescimento anual de 6%, a FNE (Federação Nacional dos Engenheiros) alerta para a necessidade urgente de multiplicar a mão-de-obra apta a operar o sistema empresarial e de inovação.
No que diz respeito aos futuros engenheiros, os números são francamente desfavoráveis ao país. Embora haja, segundo dados da Abenge (Associação Brasileira de Educação em Engenharia), 300 mil vagas nas faculdades, o Brasil ainda forma menos de 30 mil engenheiros a cada ano.
Com a consolidação dos novos cursos, que já somam 1.400, pode ser que a estatística melhore num futuro próximo, mas, ainda assim, continuamos em desvantagem. No final de 2007, havia 270 mil estudantes de engenharia, o que equivale a 1,5 por 1.000 habitantes. Essa relação no Chile e na Argentina é de 4,5/1.000 e 3/1.000, respectivamente. Ou seja, temos muito que avançar, mesmo comparado aos nossos vizinhos sul-americanos.
Longe de ser um problema a lamentar, a atual demanda por engenheiros é um desafio que a sociedade brasileira deverá enfrentar com otimismo e determinação. É preciso agora se recuperar desse prejuízo, lançando mão de todas as possibilidades: tanto requalificar os profissionais disponíveis, mas à margem do mercado, quanto garantir que mais jovens ingressem nos cursos voltados às áreas tecnológicas, assegurando para eles formação de qualidade.
Nesse ponto reside um dos grandes nós a serem desatados. Embora haja ilhas de excelência, em geral localizadas nas universidades públicas, há ainda escolas que deixam a desejar e não formam o engenheiro de que o país precisa, ou seja, capacitado a formular soluções para os inúmeros problemas nacionais, incluindo os mais complexos, que exigem conhecimento de ponta.
Para que se dê conta dessa questão, a educação necessita de um programa de Estado voltado a formar e qualificar o cidadão brasileiro com excelência. O esforço deve incluir não só o ensino superior de graduação e pós, mas também o fundamental e o médio.
Nossas crianças têm de aprender e entender física, matemática, química e biologia para que, no futuro, possam produzir ciência e tecnologia.
Além do governo, a tarefa deve envolver as universidades, o setor produtivo e as entidades representativas dos profissionais, pois todos têm contribuição significativa a dar.
Ciente desse papel, a FNE continua o trabalho iniciado com o projeto "Cresce Brasil" e tem articulado a implantação de diversos conselhos tecnológicos. Esses fóruns atuarão de acordo com a vocação de cada cidade ou região, tentando superar os desafios considerados mais prementes pela população.
Organizados em comitês, têm entre as suas prioridades exatamente a questão emprego e relacionamento universidade-empresa, qualificação e requalificação profissional, inovação e produtividade.
A idéia é discutir com as escolas, as empresas e as prefeituras e implementar propostas que de fato possam ajudar o país a dar o salto de qualidade de que precisa para poder se desenvolver, assegurando condições dignas de vida para toda a sua população.

MURILO CELSO DE CAMPOS PINHEIRO, 42, engenheiro eletricista, é presidente da FNE (Federação Nacional dos Engenheiros).



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