São Paulo, quinta-feira, 07 de outubro de 2010

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Para que não fique pior do que está

MAURÍCIO RIBEIRO LOPES


Não importa se o candidato Tiririca teve mais de 1,3 milhão de votos; nem 50 milhões poderiam revogar o texto da nossa Constituição


O Ministério Público é essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica e do regime democrático, segundo o artigo 127 da Constituição Federal. A mesma Constituição diz que analfabetos são inelegíveis.
Nas recentes eleições, ao Ministério Público Eleitoral, na defesa da ordem jurídica e do regime democrático, para garantir a soberania popular por meio do sistema representativo, coube impugnar por diversas vias a candidatura de Tiririca, pelas dúvidas levantadas em relação a ele ser não alfabetizado.
Não importa se o candidato teve mais de 1,3 milhão de votos. Nem 50 milhões poderiam revogar o texto da Constituição.
Essa é a garantia do Estado democrático de Direito: a sujeição de todos, com igualdade, à lei.
Para o registro da candidatura a cargo eletivo é indispensável documento de escolaridade. Não que a lei exija que ele tenha alguma. Pode ser autodidata, nunca ter ido à escola e ter aprendido a ler e escrever por esforço próprio.
Se não dispuser do comprovante, uma resolução do Tribunal Superior Eleitoral diz que o candidato, de próprio punho, deve fazer declaração de que sabe ler e escrever. Nada mais se exige.
Tal declaração deve ser redigida diante de funcionário da Justiça Eleitoral, com certidão. Se ainda assim houver dúvida, de modo reservado a Justiça Eleitoral poderá, por outros meios, aferir a alfabetização.
No exame da documentação de Tiririca notou-se indício de fraude gravíssima, que contamina todo o processo eleitoral.
A tal declaração, segundo perícia do Instituto de Criminalística, contém "artificialismo gráfico", indicativo de que "o autor dos manuscritos examinados possui habilidade gráfica maior do que aquela que ele objetivou registrar ao longo do texto", ou seja, de que a declaração tenha sido escrita por outra pessoa.
Isso é crime punido com reclusão de até cinco anos. Não é um começo auspicioso de carreira. Se alguns quiserem discutir a conveniência da norma constitucional que veda a elegibilidade de analfabeto, podem fazê-lo à vontade, mas driblar a exigência constitucional por meio da prática de crime é inaceitável.
O Ministério Público acredita na plena validade da exigência constitucional que torna inelegível o analfabeto. Como seria possível elaborar leis ou participar do processo de sua elaboração sem essa condição mínima: a de saber ler e escrever.
Não há nenhum elitismo ou discriminação em tal exigência, como não haveria em exigir que um aeronauta ou um motorista de coletivo tenha visão acurada. São condições gerais de exigibilidade para o exercício de determinada função, na qual a condição exigida é proporcional à finalidade da atuação.
Em nenhum momento o Ministério Público Eleitoral se pautou por qualquer viés discriminatório ou de pendor elitista.
Foi na defesa do sistema representativo, da cidadania, da dignidade da pessoa humana e do regime democrático que atuou, buscando garantir que a Constituição triunfasse, mesmo contra 1,3 milhão de votos, porque no passado, por muito menos, experimentamos tempos muito piores.


MAURÍCIO RIBEIRO LOPES é promotor de Justiça Eleitoral do Ministério Público de São Paulo e responsável pelo caso de Tiririca.

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