UOL




São Paulo, sexta-feira, 07 de novembro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MARCELO BERABA

Tortura e tortura

RIO DE JANEIRO - Conta Elio Gaspari, em "A Ditadura Derrotada", o novo volume da sua monumental história do regime militar, que, a horas tantas de uma conversa exploratória com o seu futuro ministro do Exército, às vésperas de assumir a Presidência, o general Ernesto Geisel entrou definitivamente para a galeria dos grandes ditadores com a frase singela: "Ó Coutinho, esse troço de matar é uma barbaridade, mas eu acho que tem que ser".
Referia-se à matança dos militantes de esquerda que enfrentavam a ditadura. O livro traz outra passagem com a mesma elaboração: "É, o que tem que fazer é que tem que nessa hora agir com muita inteligência, para não ficar vestígio nessa coisa".
É notável que a revelação de Gaspari, que escancara um período abjeto da história recente, coincida com a decisão do governo Lula de manter o decreto 4553/02, que veda até o fim dos séculos o acesso a documentos públicos ditos ultra-secretos.
É uma tentativa, até agora bem-sucedida, de impedir que se chegue aos papéis oficiais da guerrilha do Araguaia, episódio ocorrido na mesma época em que Geisel explicitava seu apoio à caça. Sem esses dados, fica praticamente impossível localizar os guerrilheiros mortos e permitir que suas famílias tenham o conforto de enterrá-los com dignidade.
O Grupo Tortura Nunca Mais do Rio divulgou ontem um documento em que pede a revogação do decreto. "Nenhuma nação pode se reconciliar consigo mesma se não conhece a sua história", diz o texto.
É curioso, também, que o livro de Gaspari, uma luz nos porões onde se praticava rotineiramente a violência contra prisioneiros, coincida com a demissão punitiva, no Rio, do secretário estadual de Direitos Humanos, João Luiz Pinaud, que se notabilizou por denunciar a tortura nos presídios fluminenses.
Outros tempos, os mesmos costumes.


Texto Anterior: Namíbia - Eliane Cantanhêde: Atravessaram o samba
Próximo Texto: José Sarney: Cochrane, Iraque e Rachel
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.