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MARCELO BERABA
Tortura e tortura
RIO DE JANEIRO - Conta Elio Gaspari, em "A Ditadura Derrotada", o novo volume da sua monumental história do regime militar, que, a horas
tantas de uma conversa exploratória
com o seu futuro ministro do Exército, às vésperas de assumir a Presidência, o general Ernesto Geisel entrou
definitivamente para a galeria dos
grandes ditadores com a frase singela: "Ó Coutinho, esse troço de matar é
uma barbaridade, mas eu acho que
tem que ser".
Referia-se à matança dos militantes de esquerda que enfrentavam a
ditadura. O livro traz outra passagem com a mesma elaboração: "É, o
que tem que fazer é que tem que nessa hora agir com muita inteligência,
para não ficar vestígio nessa coisa".
É notável que a revelação de Gaspari, que escancara um período abjeto da história recente, coincida com a
decisão do governo Lula de manter o
decreto 4553/02, que veda até o fim
dos séculos o acesso a documentos
públicos ditos ultra-secretos.
É uma tentativa, até agora bem-sucedida, de impedir que se chegue aos
papéis oficiais da guerrilha do Araguaia, episódio ocorrido na mesma
época em que Geisel explicitava seu
apoio à caça. Sem esses dados, fica
praticamente impossível localizar os
guerrilheiros mortos e permitir que
suas famílias tenham o conforto de
enterrá-los com dignidade.
O Grupo Tortura Nunca Mais do
Rio divulgou ontem um documento
em que pede a revogação do decreto.
"Nenhuma nação pode se reconciliar
consigo mesma se não conhece a sua
história", diz o texto.
É curioso, também, que o livro de
Gaspari, uma luz nos porões onde se
praticava rotineiramente a violência
contra prisioneiros, coincida com a
demissão punitiva, no Rio, do secretário estadual de Direitos Humanos,
João Luiz Pinaud, que se notabilizou
por denunciar a tortura nos presídios
fluminenses.
Outros tempos, os mesmos costumes.
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