São Paulo, sexta-feira, 07 de novembro de 2003 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES O estilo do pacifista Lula
BETTY MILAN
Uma tradição em que poderia se inspirar o movimento europeu que hoje questiona a pressa gerada pela globalização, o Movimento dos Sem Pressa. Nasceu com o nome de "Slow Food" e continuou, com o nome de "Slow Europe". Agir sem pressa não significa fazer menos, e sim fazer melhor. Lula sabe que nem tudo se pode e devagar se vai ao longe. Nem tudo se pode significa, por exemplo, que não se pode ir a Cuba como presidente do Brasil e censurar Fidel Castro publicamente pela repressão aos dissidentes. Possível é proceder como Lula, ou seja, aconselhar Fidel, numa conversa privada, a fazer a abertura política na ilha. Lula é um pacifista por saber do comedimento, da paciência e por ser amigo do possível. Sem ser oportunista, ele tem o senso da oportunidade. Ainda que ele goste de citar Gandhi e tenha feito isso durante a ocupação do Iraque -"A violência, quando parece produzir um bem, é um bem temporário, enquanto o mal que faz é permanente"-, o lulismo é completamente diferente do gandhismo. Para Gandhi, a verdade é a mais elevada das conquistas e ninguém a possui inteiramente. A verdade é Deus e, assim sendo, ele não se submete ao ensinamento de nenhuma religião. "Não quero, diz Gandhi, servir outro Deus que não a verdade". Além de seguir o ensinamento da religião cristã, de ser um católico praticante, o que Lula privilegia é o acordo. Está comprometido com a verdade, porém sabe que de nada serve sustentá-la em vão -também a verdade tem a sua hora. O presidente poderia, como o psicanalista, dizer: "sobretudo não romper". Lula é um pacifista à brasileira, nascido numa cultura pragmática e afeita à improvisação. Uma cultura incapaz de conceber, como a indiana, o recurso ao jejum e à mortificação do corpo, recurso a que tantas vezes, para impor o seu ponto de vista, Gandhi se entregou. Entre Lula e Gandhi, o que existe de comum é a sabedoria de recusar a violência. Betty Milan, escritora e psicanalista, é autora de, entre outros livros, "A Paixão de Lia". Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Roberto Romano: Direito à crítica e à oposição Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
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