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CARLOS HEITOR CONY
O fim do domingo
RIO DE JANEIRO - Marcaram a manhã de domingo para lhe dar alta na
casa de saúde. Um exame que podia
ser de rotina, mas se complicou. Não
correu risco de vida, mesmo assim ficou assustado. A última recomendação do médico foi estimulante: "O dia
está lindo, aproveite o domingo!".
Realmente, o dia estava lindo. Ele
pensou em pegar o carro, mas preferiu caminhar, seria bom e lhe faria
bem exercitar as pernas após os dias
de imobilidade. Ao contrário de seus
hábitos, que procuravam ruas desertas e distantes, preferiu as pessoas
que andavam nas pistas da praia, tomavam chope nos bares, aquilo era
um tipo de vida que lhe podia ser
roubado, mas não lhe faria falta.
Almoçou com vontade, uma salada
igual a que comera em Viena, no ano
anterior, um pouco açucarada, combinando bem com o filé de robalo na
brasa. Bebeu um chope devagar,
olhando duas moças que passavam
na calçada, uma delas o cumprimentou, sorrindo, talvez o confundisse
com algum conhecido.
Depois andou novamente, parou
no mirante do Leblon e ficou ouvindo
o barulho das ondas e a conversa dos
grupos que se revezavam na mesma
contemplação do mar azul que batia
com força nas pedras fatigadas.
Tão bonito isso aqui, dá pena que...
o homem que consertou o meu carro
disse... acho que ainda podemos pegar a sessão das quatro no shopping
da Gávea... aquela ali deve ser a ilha
Rasa... não acredito mais, você prometeu que...
Aos poucos, o morro Dois Irmãos
escondeu o Sol, mas a claridade continuava, cor de laranja antiga. E ele
andou a praia toda, viu e ouviu muitas coisas, de repente sentiu um pouco de náusea, devia ser apenas cansaço. Pensou em Sartre (por que em
Sartre?) e num par de patins que ganhara quando fizera oito anos. Levara um tombo e quebrara um dedo.
Atrás dele, na praia, na cidade, no
mundo, nas ruas que começavam a
ficar acesas naquele final de tarde,
um formidável acontecimento agonizava: era o fim do domingo.
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