São Paulo, segunda-feira, 07 de novembro de 2005

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CARLOS HEITOR CONY

O fim do domingo

RIO DE JANEIRO - Marcaram a manhã de domingo para lhe dar alta na casa de saúde. Um exame que podia ser de rotina, mas se complicou. Não correu risco de vida, mesmo assim ficou assustado. A última recomendação do médico foi estimulante: "O dia está lindo, aproveite o domingo!".
Realmente, o dia estava lindo. Ele pensou em pegar o carro, mas preferiu caminhar, seria bom e lhe faria bem exercitar as pernas após os dias de imobilidade. Ao contrário de seus hábitos, que procuravam ruas desertas e distantes, preferiu as pessoas que andavam nas pistas da praia, tomavam chope nos bares, aquilo era um tipo de vida que lhe podia ser roubado, mas não lhe faria falta.
Almoçou com vontade, uma salada igual a que comera em Viena, no ano anterior, um pouco açucarada, combinando bem com o filé de robalo na brasa. Bebeu um chope devagar, olhando duas moças que passavam na calçada, uma delas o cumprimentou, sorrindo, talvez o confundisse com algum conhecido.
Depois andou novamente, parou no mirante do Leblon e ficou ouvindo o barulho das ondas e a conversa dos grupos que se revezavam na mesma contemplação do mar azul que batia com força nas pedras fatigadas.
Tão bonito isso aqui, dá pena que... o homem que consertou o meu carro disse... acho que ainda podemos pegar a sessão das quatro no shopping da Gávea... aquela ali deve ser a ilha Rasa... não acredito mais, você prometeu que...
Aos poucos, o morro Dois Irmãos escondeu o Sol, mas a claridade continuava, cor de laranja antiga. E ele andou a praia toda, viu e ouviu muitas coisas, de repente sentiu um pouco de náusea, devia ser apenas cansaço. Pensou em Sartre (por que em Sartre?) e num par de patins que ganhara quando fizera oito anos. Levara um tombo e quebrara um dedo.
Atrás dele, na praia, na cidade, no mundo, nas ruas que começavam a ficar acesas naquele final de tarde, um formidável acontecimento agonizava: era o fim do domingo.

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