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A casa Brasil
CLÓVIS ROSSI
São Paulo - Digamos que você tivesse
uma casa que lhe custou imensos sacrifícios para comprar ou construir.
Uma casa que valia R$ 383 mil.
Aí, as circunstâncias da vida levam
a que você decida vender a casa. Consegue fazê-lo, por, digamos, R$ 562
mil. Bom negócio, não é?
Seria, se, para vender a casa, você
não tivesse sido obrigado a dar ao
comprador empréstimo e outros benefícios, no valor total de R$ 450 mil. Tudo somado, você levou nitidamente na
cabeça, certo?
Foi rigorosamente isso o que aconteceu com a venda das estatais brasileiras, conforme detalhada reportagem
de Roberto Cosso publicada domingo
por esta Folha. Basta mudar apenas
os milhares de reais do exemplo por
bilhões de dólares e tem-se um caso
da vida real.
De novo, vale repetir: não se trata de
condenar as privatizações em si. Parece comprovado que o poder público
é mau gestor em uma série de áreas.
O problema está na maneira como
elas foram feitas. Sei que haverá mil e
uma explicações para o fato de o governo ter ajudado os compradores
com benefícios que superam o valor
arrecadado, depois de descontado o
que valiam as estatais.
Mas qualquer explicação esbarra
numa lógica implacável: na grande
maioria dos casos, venderam-se empresas atraentes, capazes de gerar formidáveis lucros (em alguns setores,
elas eram lucrativas até mesmo como
estatais, apesar do empreguismo político que as manietava).
Logo, os compradores seriam por
elas atraídos de qualquer maneira,
mesmo que o governo não desse incentivo algum. Basta lembrar o jogo
sujo de escutas clandestinas em torno
da venda das telefônicas para perceber o alto valor dos ativos leiloados e
o formidável interesse dos compradores.
É inescapável a sensação de que o
governo, mais por uma questão de fé
ideológica do que por uma lógica negocial, jogou fora um belo naco do
seu, do meu, do nosso dinheiro.
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