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OTAVIO FRIAS FILHO
Marte não ataca
Novas imagens da superfície do
planeta Marte estão chegando à
Terra, enviadas pela sonda norte-americana Spirit, capaz de se deslocar
como um pequeno jipe. São as imagens de sempre, que fazem lembrar
um deserto fosco, plano e alaranjado,
numa semelhança perturbadora com
certos cenários de cartão-postal terrestres.
Já faz quase 30 anos que as primeiras
sondas pousaram no planeta vizinho.
Apesar da experiência acumulada, a
taxa de fracasso nessas missões continua muito alta -nada menos que
cerca de metade-, como demonstrou há pouco a agência espacial européia, que perdeu contato com a sonda
Beagle 2 depois de ela mergulhar na
atmosfera marciana no Natal.
Também não parece ser muito o que
já se aprendeu sobre o planeta vermelho. A questão da existência de vida
em Marte, que tanto excitou a imaginação das gerações do passado, ainda
não foi esclarecida. É provável que
existam formas rudimentares de vida
microscópica e que o planeta, hoje árido, tenha sido banhado por água no
passado. Pouco se sabe a respeito do
subsolo e do regime de ventos, que
exerce efeito importante na topografia
mutante de Marte.
Os antigos associaram os dois planetas vizinhos -Vênus e Marte- respectivamente ao amor e à guerra, como se antecipassem a concepção da
psicanálise que dá a esses dois impulsos antagônicos o controle do nosso
mundo. Mas a fantasia marciana começou em 1877, quando o astrônomo
italiano Giovanni Schiaparelli descobriu o que chamou de "canais" na superfície.
Hoje se sabe que os "canais" são o
resultado provável da erosão provocada pelo movimento de água em épocas remotas. Vistos à distância e por
meio de telescópios primitivos, porém, seu desenho mostrava tal regularidade que foram tomados por construções erguidas por alguma civilização inteligente. Marte passou a ser
uma projeção do "outro" ameaçador.
Durante a Guerra Fria (1945-1989),
aos supostos marcianos foram atribuídos de forma inconsciente os traços que marcavam a "ameaça comunista". A analogia não se resumiu à cor
vermelha, mas tomou a forma de uma
civilização mais "adiantada", na qual
os indivíduos seriam reduzidos a meras peças de um maquinismo totalitário e expansionista.
Foi a mesma Guerra Fria, aliás, que
deu impulso aos programas espaciais
dos americanos e dos soviéticos, ambos menos interessados na chegada à
Lua em si do que em seus reflexos propagandísticos na disputa pelo prestígio mundial. Passado o entusiasmo
original, a conquista do espaço se revelou uma aventura cara, perigosa e
de resultados pouco animadores.
Se as expedições enviadas à Lua serviram para alavancar a guerra ideológica contra a então União Soviética,
uma eventual viagem a Marte (fala-se
que poderia acontecer daqui a 20
anos) surge como objetivo menos premente, uma cereja no bolo da supremacia norte-americana. Até porque as
ilusões foram desfeitas e tudo indica
que nossa condição, no sistema solar e
talvez na galáxia, para o bem e para o
mal, seja profundamente solitária.
Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.
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