São Paulo, quinta-feira, 08 de janeiro de 2004

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CARLOS HEITOR CONY

Presidente Seabra

RIO DE JANEIRO - Apelidos sempre me impressionaram. É assombroso como um cara, de repente, começa a ser chamado de Caveirinha, de Goiabada, de Vá com Deus ou de Charuto. Mesmo os mais óbvios e explicáveis causam-me espanto, como Deixa-que-eu-chuto, Pato Rouco ou Risadinha.
Poderia citar centenas de apelidos que se justificam ou não, mas todos eles têm sempre um ponto de partida ou de chegada que, embora não façam sentido, dão uma pista, criam a expectativa de um sentido.
Mas sempre há exceções. O exemplo que mais me emocionou foi o do Seabra. Passei anos chamando-o de Seabra, todo mundo o chamava de Seabra e ele não era Seabra coisa nenhuma, era simples e honestamente Araújo, acho que Araújo Soares ou Soares de Araújo, nunca ficou muito clara a ordem dos seus nomes verdadeiros.
Mas o Seabra surgiu um dia, não se sabe como, alguém se esqueceu do Araújo Soares ou do Soares de Araújo e disse o primeiro nome que lhe veio à cabeça: Seabra. E aconteceu uma coisa formidável: Seabra atendeu, embora nunca o tivessem chamado de Seabra. Daí houve aquilo que os economistas chamam de efeito sistêmico, e os comentaristas internacionais, de efeito dominó. Seabra ficou Seabra para o resto de seus dias, de tal forma que, ao se registrar como candidato a vereador pelo Prona, exigiu que a Justiça Eleitoral aceitasse seu nome completo e seu apelido. De maneira que Araújo Soares ou Soares de Araújo foi eleito como Seabra, que constou da lista de candidatos com o adendo entre parênteses.
Nada a ver com o nosso presidente, que adotou oficialmente o apelido mais do que corriqueiro de Lula. Ignoro se no diploma presidencial que lhe deram consta o Lula entre ou sem parênteses.
De qualquer forma, expliquei tudo isso para o Seabra e ele ficou excitado. E mais excitado fiquei eu, correndo o risco de ser um dia governado por um Seabra que não é Seabra.


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