São Paulo, segunda-feira, 08 de janeiro de 2007

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VERA GUIMARÃES MARTINS

Ética no Tampax

CONVÉM deixar claro desde já, para evitar reducionismos tontos: isso não é "conversa de verde", em que pese o respeito que merecem os militantes ecológicos. É discussão fundamental de sociedade madura, capaz de somar dois mais dois e fazer projeções: do jeito que está não vai dar.
Em matéria de consumo, não vale aquele chiste de padaria que diz que o grande sonho do padeiro é poder acordar às 6h, em vez de às 3h. Se é para sonhar, o ideal da maioria é poder um dia consumir como os americanos. É um sonho impossível, alertam os econometristas, que fazem cálculos e chutam números; para isso seriam necessários quatro planetas Terra.
Ainda que possam ter exagerado na dose, é óbvio que, mantidas as mesmas condições, o mundo não vai segurar o tranco de ter Índia e China, para citar só os dois maiores, consumindo tanto quanto os Estados Unidos.
O bom combate do século 21 deve passar pela discussão de como a economia capitalista vai resolver um grande paradoxo, o de que, quanto mais a humanidade progride, mais ela se encalacra. Bobagem achar que o capitalismo não fará isso, porque seria matar sua galinha de ouro. A proscrição do fumo e a recente declaração de guerra à gordura trans são exemplos de como mesmo a mais capitalista das sociedades é capaz de entregar os anéis para salvar os dedos.
É exatamente nos países endinheirados que o debate mais cresce, gerando uma profusão de estudos e expressões como "capitalismo natural" e "ética de consumo", passando pela discussão do custo social das comodidades adquiridas.
Transposta para o dia-a-dia do mundo rico, a questão traz consumidores agoniados com "dilemas" aparentemente estapafúrdios, como o que inspirou o título deste artigo: qual o custo ambiental do uso diário de 2,5 milhões de tampões higiênicos, cujos colocadores de plástico são em seguida descartados no meio ambiente? Ou o que é mais barato, ecologicamente falando, um CD comprado na loja, solicitado on-line ou baixado em MP3?
O que torna o assunto mais interessante é a lógica que permeia a discussão. Quem tem bom senso sabe que não dá para legislar o tempo todo inventando restrições, como a do cigarro. Por outro lado, avaliar que a humanidade vá abrir mão de confortos e tecnologias para se tornar virtuosamente correta é desconhecer o gênero. A alternativa é tentar redesenhar o mundo, misturar "social fiction" com "science fiction" e criar alternativas factíveis de consumo sustentáveis em escala planetária, dizem os defensores de uma ética de consumo. Pode ser um dos maiores desafios da humanidade desde que o primeiro macaco ereto passou a escolher qual era o melhor osso para quebrar a cabeça do adversário.


VERA GUIMARÃES MARTINS é editora da "Revista da Folha" e da revista "Morar".


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