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VERA GUIMARÃES MARTINS
Ética no Tampax
CONVÉM deixar claro desde
já, para evitar reducionismos
tontos: isso não é "conversa
de verde", em que pese o respeito
que merecem os militantes ecológicos. É discussão fundamental de
sociedade madura, capaz de somar
dois mais dois e fazer projeções: do
jeito que está não vai dar.
Em matéria de consumo, não vale aquele chiste de padaria que diz
que o grande sonho do padeiro é
poder acordar às 6h, em vez de às
3h. Se é para sonhar, o ideal da
maioria é poder um dia consumir
como os americanos. É um sonho
impossível, alertam os econometristas, que fazem cálculos e chutam números; para isso seriam necessários quatro planetas Terra.
Ainda que possam ter exagerado
na dose, é óbvio que, mantidas as
mesmas condições, o mundo não
vai segurar o tranco de ter Índia e
China, para citar só os dois maiores, consumindo tanto quanto os
Estados Unidos.
O bom combate do século 21 deve passar pela discussão de como a
economia capitalista vai resolver
um grande paradoxo, o de que,
quanto mais a humanidade progride, mais ela se encalacra. Bobagem
achar que o capitalismo não fará isso, porque seria matar sua galinha
de ouro. A proscrição do fumo e a
recente declaração de guerra à gordura trans são exemplos de como
mesmo a mais capitalista das sociedades é capaz de entregar os anéis
para salvar os dedos.
É exatamente nos países endinheirados que o debate mais cresce, gerando uma profusão de estudos e expressões como "capitalismo natural" e "ética de consumo", passando pela discussão do custo
social das comodidades adquiridas.
Transposta para o dia-a-dia do
mundo rico, a questão traz consumidores agoniados com "dilemas"
aparentemente estapafúrdios, como o que inspirou o título deste artigo: qual o custo ambiental do uso
diário de 2,5 milhões de tampões
higiênicos, cujos colocadores de
plástico são em seguida descartados no meio ambiente? Ou o que é
mais barato, ecologicamente falando, um CD comprado na loja, solicitado on-line ou baixado em MP3?
O que torna o assunto mais interessante é a lógica que permeia a
discussão. Quem tem bom senso
sabe que não dá para legislar o tempo todo inventando restrições, como a do cigarro. Por outro lado,
avaliar que a humanidade vá abrir
mão de confortos e tecnologias para se tornar virtuosamente correta
é desconhecer o gênero. A alternativa é tentar redesenhar o mundo,
misturar "social fiction" com
"science fiction" e criar alternativas factíveis de consumo sustentáveis em escala planetária, dizem os
defensores de uma ética de consumo. Pode ser um dos maiores desafios da humanidade desde que o
primeiro macaco ereto passou a escolher qual era o melhor osso para
quebrar a cabeça do adversário.
VERA GUIMARÃES MARTINS é editora da "Revista
da Folha" e da revista "Morar".
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