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CLÓVIS ROSSI
Normal e "normal'
SÃO PAULO - Instantâneos não
são, como é óbvio, o retrato de corpo inteiro de um país, de uma cidade, de uma pessoa, de uma situação.
Mas podem, eventualmente, revelar um pouco da alma das pessoas.
Visitemos, pois, dois instantâneos. O primeiro veio de Daniel
Bergamasco, o enviado especial da
Folha às primárias de Iowa (belo
trabalho, aliás). Bergamasco espantou-se com o fato de que, na escola
de Des Moines na qual cobriu o
"caucus" democrata, "não é preciso
mostrar algum documento para entrar" (nem para votar).
Espanto justificado em quem foi
do Brasil para Iowa. Aqui, se algum
partido fizesse qualquer tipo de primárias sem controle, a fraude seria
inevitável (se até com controle há
fraudes, imagine sem).
Em Iowa, no entanto, o normal é
que as pessoas que entram (e votam) o fazem porque podem e devem estar lá. É uma questão de confiança no outro, que muito provavelmente não vale para outras áreas
dos Estados Unidos.
Confiança idêntica faz com que
alguns metrôs europeus não usem
catraca, porque o normal é que o
usuário pague assim mesmo.
O segundo instantâneo é do Ibirapuera, São Paulo. Uma motocicleta encosta em um carro, o motoboy leva à mão à cintura, o ocupante
do carro dispara e mata o rapaz.
Lógica da história: no Ibirapuera
(como no resto do Brasil), o "normal" é que o rapaz da moto estivesse armado (não estava) e, mais que
isso, atiraria ante qualquer gesto
brusco ou "suspeito" (suspeito no
Brasil é qualquer movimento de autodefesa ou tentativa de fuga em casos semelhantes).
Aposto que 11 de cada 10 brasileiros desconfiariam do outro, nas
mesmas circunstâncias. E atirariam, se pudessem.
Pelo andar da carruagem, o que é
mais provável: que Iowa acabe desconfiando de sua própria gente ou
que os brasileiros ganhem confiança uns nos outros?
crossi@uol.com.br
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