|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
O filósofo Soros
JOSÉ SARNEY
Em entrevista recente, George Soros, o homem que é mais poderoso
que muitas nações e cuja fortuna é
maior do que o PIB de muitos países
juntos, fez algumas reflexões sobre o
seu "métier" e avançou difusas afirmações que ele cataloga como filosóficas, uma vez que se define como filósofo (com alguns seguidores no Brasil) e queixa-se de não ser ouvido como pensador. Com tanto dinheiro, ele
pode ser tudo, até mesmo vendedor
de sabedoria, como Diógenes.
Não me impressionaram suas constatações sobre o Brasil, que ele diz estar no olho do furacão. Isso não é novidade, já que todo o esforço que estamos fazendo com precavido sucesso é
para livrarmo-nos dos tentáculos desses ventos e raios.
Mas fiquei a meditar sobre suas perplexidades quanto ao futuro do capitalismo, ele que é uma das emblemáticas emergências do neoliberalismo.
Sua indagação-síntese é a incerteza
sobre se o capitalismo, principalmente financeiro, funciona em nível mundial, isto é, se é possível admitir um
sistema que fuja de todas as barreiras
nacionais, de controles e fiscalizações,
ordenamentos e interesses peculiares
a cada país para, atropelando fronteiras e soberanias, funcionar apenas
sustentado nas leis de mercado.
Minha convicção, com a devida prudência com relação a um filósofo de
20 bilhões de dólares, é a de que estamos assistindo, com acentuada predominância nas décadas de 80 e 90, a
um modismo predador que possibilitou uma acumulação escritural de capital fora de qualquer realidade.
Quando esses papéis em conjunto
buscam liquidez, esse movimento é
sempre acompanhado de terremotos.
A crise asiática, a crise japonesa, a crise mexicana, a crise russa são exemplos trágicos do perigo a que estamos
expostos. Não convence a teoria das
fragilidades que se constrói para justificar esses abalos.
Como pensar num capitalismo que
opera sem vigilância, buscando sempre lucros astronômicos e sem riscos?
A qualquer sinal de dificuldade ele foge, realiza seus resultados, destrói
economias, pula destas para outras
que, ao recebê-lo, contraem o vírus da
candidatura de ser o alvo da próxima
crise.
O comunismo -vamos repetir-
não foi derrubado por ninguém, foi
vítima de suas próprias contradições.
O mesmo acontecerá com o capitalismo, na nova utopia do mercado, como mágica fórmula de resolver as dificuldades, problemas, relações econômicas e sociais do mundo. A destruição do Estado do bem-estar social,
sem nada para substituí-lo, é um dos
maiores crimes já cometidos contra o
avanço da justiça social, do humanismo, da liberdade contra todas as formas de opressão. Jamais as relações
internas e externas prescindirão de
um Estado qualitativamente forte e
regulador.
Como pensar num sistema com desemprego estrutural, robotização, salários baixos, salários zero, como é o
dos que não têm emprego, e baseado
nessa ciranda incontrolável da flacidez do capital?
Soros, o filósofo, levanta o véu. Ele
está temeroso de que o seu próprio
sistema não sobreviva. Com ele, estadistas do mundo inteiro inquietam-se.
Enquanto não se monta uma nova
ordem mundial, pois Bretton Woods
morreu, não podemos ficar expostos à
depredação de nossas economias e à
condenação de optar entre ser satélite
ou explodir.
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Antonio Carlos de Farias: O gordo e os magros Próximo Texto: Frases
Índice
|