São Paulo, Sexta-feira, 08 de Janeiro de 1999
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O filósofo Soros

JOSÉ SARNEY

Em entrevista recente, George Soros, o homem que é mais poderoso que muitas nações e cuja fortuna é maior do que o PIB de muitos países juntos, fez algumas reflexões sobre o seu "métier" e avançou difusas afirmações que ele cataloga como filosóficas, uma vez que se define como filósofo (com alguns seguidores no Brasil) e queixa-se de não ser ouvido como pensador. Com tanto dinheiro, ele pode ser tudo, até mesmo vendedor de sabedoria, como Diógenes.
Não me impressionaram suas constatações sobre o Brasil, que ele diz estar no olho do furacão. Isso não é novidade, já que todo o esforço que estamos fazendo com precavido sucesso é para livrarmo-nos dos tentáculos desses ventos e raios.
Mas fiquei a meditar sobre suas perplexidades quanto ao futuro do capitalismo, ele que é uma das emblemáticas emergências do neoliberalismo. Sua indagação-síntese é a incerteza sobre se o capitalismo, principalmente financeiro, funciona em nível mundial, isto é, se é possível admitir um sistema que fuja de todas as barreiras nacionais, de controles e fiscalizações, ordenamentos e interesses peculiares a cada país para, atropelando fronteiras e soberanias, funcionar apenas sustentado nas leis de mercado.
Minha convicção, com a devida prudência com relação a um filósofo de 20 bilhões de dólares, é a de que estamos assistindo, com acentuada predominância nas décadas de 80 e 90, a um modismo predador que possibilitou uma acumulação escritural de capital fora de qualquer realidade. Quando esses papéis em conjunto buscam liquidez, esse movimento é sempre acompanhado de terremotos. A crise asiática, a crise japonesa, a crise mexicana, a crise russa são exemplos trágicos do perigo a que estamos expostos. Não convence a teoria das fragilidades que se constrói para justificar esses abalos.
Como pensar num capitalismo que opera sem vigilância, buscando sempre lucros astronômicos e sem riscos? A qualquer sinal de dificuldade ele foge, realiza seus resultados, destrói economias, pula destas para outras que, ao recebê-lo, contraem o vírus da candidatura de ser o alvo da próxima crise.
O comunismo -vamos repetir- não foi derrubado por ninguém, foi vítima de suas próprias contradições. O mesmo acontecerá com o capitalismo, na nova utopia do mercado, como mágica fórmula de resolver as dificuldades, problemas, relações econômicas e sociais do mundo. A destruição do Estado do bem-estar social, sem nada para substituí-lo, é um dos maiores crimes já cometidos contra o avanço da justiça social, do humanismo, da liberdade contra todas as formas de opressão. Jamais as relações internas e externas prescindirão de um Estado qualitativamente forte e regulador.
Como pensar num sistema com desemprego estrutural, robotização, salários baixos, salários zero, como é o dos que não têm emprego, e baseado nessa ciranda incontrolável da flacidez do capital?
Soros, o filósofo, levanta o véu. Ele está temeroso de que o seu próprio sistema não sobreviva. Com ele, estadistas do mundo inteiro inquietam-se.
Enquanto não se monta uma nova ordem mundial, pois Bretton Woods morreu, não podemos ficar expostos à depredação de nossas economias e à condenação de optar entre ser satélite ou explodir.


José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.



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