São Paulo, Sexta-feira, 08 de Janeiro de 1999
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Tempos interessantes


O mais importante é que está provado que o desenvolvimento não é subproduto automático da estabilidade


BORIS TABACOF

"Que você possa viver em tempos interessantes" é uma antiga maldição chinesa. Às vezes, sentimos falta de um pouco de previsibilidade, até de algum tédio. Mas o que fazer, já que vivemos momentos tão interessantes?
Quando caiu o Muro de Berlim, alguns previram o fim da história. Estaria instalada para sempre a sociedade livre, sob as leis de mercado, com o mínimo possível de governo e de intervenção. Só que esse quadro não se mostrou benevolente com os menos fortes -pessoas, empresas, países inteiros. Pela lógica vitoriosa, o perecimento dos mais fracos, presumivelmente incompetentes, teria efeito seletivo, energético e estimulante, num verdadeiro processo de "darwinismo" social.
Ocorre que o próprio sistema democrático permitiu que os eleitores, principalmente nos países mais evoluídos, votassem pela substituição dos políticos que adotaram a nova ortodoxia.
Os tempos ficaram ainda mais interessantes com problemas originais, como os do mercado global, especialmente um sistema financeiro totalmente livre de controle e que todos reconhecem como nefasto. Mas ninguém sabe o que fazer com a fera à solta.
Muitos apostaram na vitalidade desse sistema, na estratégia de gerar déficits para cobri-los com o inesgotável rio de dinheiro que entrava pelas portas abertas da economia de mercado. Esta produziria a limpeza dos produtores menos eficientes, desencadeando um crescimento sustentado, a partir da histórica vitória sobre a inflação.
A estabilidade foi conquistada, e o Brasil tem uma moeda. O maldito imposto inflacionário foi retirado de cima de milhões de cidadãos indefesos, que, por isso, continuam votando no real. A estabilidade é premissa inegociável também para os industriais.
Mas a fase seguinte, a retomada do crescimento, não aconteceu. Pouco importa, agora, culpar a "débâcle" do sistema financeiro global ou acusar a política de deixar o país muito dependente do crédito externo. Essa mesma dependência recomenda, neste momento, extrema cautela, para não levar o Brasil a uma crise como a dos países asiáticos ou a da Rússia, onde a economia entrou em colapso. Haja tempos interessantes...
O mais importante é que está provado que o desenvolvimento não é subproduto automático da estabilidade, muito menos do funcionamento do mercado. Essa crença lembra os velhos tempos do "milagre econômico", quando se acreditava que o crescimento do "bolo" levaria automaticamente à sua distribuição em bens sociais, saúde, educação e outros. Foi o que não aconteceu. Essa é uma das causas do desequilíbrio na distribuição da renda e da ampliação da dívida social.
O que os industriais defendem é que se implante uma política explícita, que estimule de modo deliberado o crescimento da produção e do emprego. É preciso desacreditar o preceito de que defender e promover os empreendimentos nacionais é cometer grave pecado contra a ortodoxia do mercado.
Não é a volta ao fechamento do país. Ao contrário, é dar à empresa brasileira condições de competir num cenário de integração no mercado mundial. Além da possível criatividade, considerando as nossas peculiaridades e o nosso atual estágio, pode-se buscar a experiência dos outros países, que não se acanham em defender sua economia, suas empresas e seus empregos, sem necessariamente quebrar as regras do comércio internacional.
O escritor e psicanalista francês Christophe Dejours, em seu recente livro "Souffrance en France", transpõe o conceito da banalidade do mal, de Hannah Arendt, para os tempos atuais. É o que chama de banalização da injustiça social, que se revela na indiferença em relação à brutalidade do desemprego e das condições de trabalho.
Os pensadores, os dirigentes empresariais e sindicais, os homens de Estado e os cidadãos têm a obrigação de enfrentar estes tempos interessantes, rompendo a quadratura mental e procurando novos caminhos.


Boris Tabacof, 70, é diretor do Conselho Superior de Economia da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).



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