São Paulo, domingo, 08 de fevereiro de 2004

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TENDÊNCIAS / DEBATES

De 2004 a 2006

CESAR MAIA


[O PT quer] ganhar tempo até o Carnaval de 2006 e, a partir daí, implementar uma política keynesiana


A cada dia fica mais claro que o PT não tem projeto para o Brasil. A cada dia o PT fica mais parecido com o PRI do México. A fórmula é: dançar com a direita para dentro, jogar com a esquerda para fora e ocupar a máquina de Estado com a máquina partidária. Mas se o PT não tem projeto para o país, de uma coisa ninguém mais duvida: ele tem é projeto de poder. E só pensa nisso, escondendo um trunfo na manga do paletó: ganhar tempo até o Carnaval de 2006 e, a partir daí, implementar uma política keynesiana, afrouxando o crédito e expandindo ao máximo o gasto público. Dá certo por seis meses, e depois... bem, depois é o poder.
Mas esse tipo de recurso não pode ser aplicado muito cedo, pois o choque produziria uma grave reversão de expectativas, e a economia desmontaria. Esse ponto, aliás, é o nervo exposto do governo do PT. Faz todos os deveres de casa que imagina serem exigidos pelo mercado. Por isso mesmo entrou numa cama de gato da qual não pode sair. Se sinalizar coisa diferente cedo demais, corre o risco de a conjuntura desabar em sua cabeça. Entende-se, então, porque o ano de 2004 é estratégico para o PT. Se passar por ele sem muita marola, considerando que a percepção pós-eleitoral foi a de que nada mudou, 2005 passa a ser apenas uma travessia para seu projeto de poder.
Aliás, dentro da oposição há setores -não tão pequenos assim- que querem jogar a toalha para 2006 e defender seus mandatos particulares. Ilusão treda. Isso seria como o dilema do prisioneiro na teoria dos jogos. Olhar só para si quer dizer perder o jogo ou, se preferir, sair de uma bancada de 140 deputados eleitos em 2002 para outra de 100, talvez nem isso, em 2006. E salve-se quem puder. Aqueles que conhecem um pouco de Congresso sabem o quanto ficaria mais simples garantir uma maioria no varejo do que abrir o governo para o PMDB com sua larga experiência. Se isso foi feito é porque o jogo do poder requer um seguro parlamentar para uma eventual adoção de medidas na contramão do que se faz hoje. No Brasil -sem agenda, sem ordem e sem unidade partidária programática- tanto faz, pois na maioria dos casos o que importa é a defesa do mandato individual, que é como uma carta-patente política. E, também por isso, cada eleição bianual, em nosso país, influencia o quadro da eleição seguinte.
Ninguém tem dúvida de que o tema eleitoral dos pleitos municipais são as questões locais. O presidente Uribe, da Colômbia, do alto de uma das maiores popularidades nas Américas, tentou, poucos meses atrás, contrariar essa lógica e quebrou o espelho. Mas uma coisa é o tema interno das eleições locais, outra são as conseqüências políticas do resultado eleitoral. Por mais grotões que ganhem, essa estatística só vai colorir a conversa no interior dos partidos. O que vale para a percepção pública são os resultados das eleições nas capitais metropolitanas. Um primeiro vôo sobre as tendências eleitorais nas capitais mostra que neste ano, ao contrário dos anteriores, a dinâmica eleitoral no conjunto não corre a favor do PT, até pelo desgaste no exercício do poder devido à dança com a direita.
No entanto, essa dinâmica de nada valerá para a oposição se ela não ganhar as eleições na cidade de São Paulo. Se ganhar, o resultado nas demais garantirá a sensação de derrota política do PT. Assim, seu jogo de poder estará desequilibrado, os setores deprimidos da oposição recuperarão seu ânimo, a esquerda do PT demonstrará suas razões e o tempo não poderá ser mais empurrado para o uso de um keynesianismo eleitoral em 2006. O PT terá que antecipar-se e colocar na mesa as cartas que guarda -por ser da sua natureza- na manga do paletó. Isso significa que a oposição, nas cidades ícones regionais, terá que jogar com seus curingas. Não significa, no entanto, que deva estar unida sempre no primeiro turno, pois muitas vezes o fato de não estar a fortalece no segundo turno.
Em São Paulo, a probabilidade corre francamente a favor da oposição, pois a questão de fundo -veja os pontos retificados de rejeição nas pesquisas Datafolha- está muito mais no personagem do que no governo, o que tornou pouco eficaz as exageradas publicidade e presença federal. Se a oposição deixar 2004 por conta dos interesses locais, provavelmente verá, em dezembro deste ano, aqueles setores internos hoje deprimidos se tornarem majoritários. Após o Carnaval começa o jogo. Para a oposição, não pode ser um jogo de azar, pois o próximo só ocorrerá em 2010.

Cesar Maia, 58, economista, é prefeito, pelo PFL, do Rio de Janeiro.


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