São Paulo, terça-feira, 08 de fevereiro de 2005

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ROBERTO MANGABEIRA UNGER

Oportunidade para mudar

Em 2002, o eleitorado brasileiro votou para mudar o país. Desenvolvimento com justiça era, e é, a vontade da nação. Por anos a fio, assistimos a campanha para caracterizar qualquer mudança de rumo como aventura irresponsável, de conseqüências calamitosas. Campanha que jamais converteu a maioria. Por isso mesmo, os principais candidatos a presidente em 2002, inclusive o candidato situacionista, apresentaram-se como agentes da reorientação desejada. O novo governo, porém, logo adotou como sua a tentativa de intimidar o desejo mudancista, desmerecendo como mirabolantes todas as propostas para iniciar ciclo de desenvolvimento fundado na democratização das oportunidades econômicas e educativas, por mais modestas e gradualistas que fossem essas propostas e por mais abalizadas pela experiência de outros países.
Esses fatos dramáticos definem a agenda da futura sucessão presidencial. Em 2006 o assunto só pode ser como construir na prática a alternativa pela qual votamos em vão em 2002. O país não está à busca de sectarismo de esquerda. Mas também não se conforma com a idéia de que a única tarefa a cumprir seja humanizar o inevitável, atenuando, por meio de políticas sociais compensatórias, os extremos de desigualdade e de exclusão que nos afligem. E, apesar da simpatia despertada pelo atual presidente numa nação que se orgulha, como deve, de ser presidida por um operário, resistirá a ter de escolher entre a reeleição dele e a recondução ao poder das mesmas forças cuja política ele passivamente continua. Resistência que, começando na classe média, tem tudo para difundir-se por toda a população, como costuma acontecer no Brasil. Desde que se construa opção.
Nesse "desde" mora o problema. É generalizada entre os comentaristas a convicção de que seria quase impossível criar tal opção dado o duopólio da política brasileira por dois agrupamentos partidários -o que governa agora e o que governava antes- que representam a mesma diretriz. Esse ceticismo não leva em conta duas particularidades da política brasileira: uma, objetiva; a outra, subjetiva.
O traço objetivo é a dinâmica do conhecimento em nossas eleições presidenciais. Pesquisas de opinião há muito tempo de eleição traduzem reconhecimento de nome, não apoio. As únicas figuras nacionalmente conhecidas são as que foram presidentes ou candidatas à Presidência. Mesmo os governadores dos maiores Estados são conhecidos por menos eleitores do que há eleitores em seus próprios Estados. Em poucas semanas de campanha presidencial, contudo, um candidato torna-se conhecido. Mostra, queira ou não, quem é. Daí a principal razão para a volatilidade de nossas campanhas presidenciais: as tendências de apoio oscilam à medida que o conhecimento avança. Nem os truques de marqueteiro nem o peso do dinheiro conseguem desfazer o efeito esclarecedor de ver e ouvir o candidato na televisão.
A característica subjetiva, repetidamente confirmada em nossa história política recente, é a extraordinária falta de preconceito do eleitor brasileiro: sua abertura para o novo, em matéria de proposta e de pessoa. Caso quase singular no mundo, é eleitorado que erra mais por excesso do que por falta de audácia.
Não menosprezemos os obstáculos. As razões para ter esperança são, entretanto, muitas e fortes.


Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger


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