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ROBERTO MANGABEIRA UNGER
Oportunidade para mudar
Em 2002, o eleitorado brasileiro
votou para mudar o país. Desenvolvimento com justiça era, e é, a vontade da nação. Por anos a fio, assistimos a campanha para caracterizar
qualquer mudança de rumo como
aventura irresponsável, de conseqüências calamitosas. Campanha que
jamais converteu a maioria. Por isso
mesmo, os principais candidatos a
presidente em 2002, inclusive o candidato situacionista, apresentaram-se
como agentes da reorientação desejada. O novo governo, porém, logo adotou como sua a tentativa de intimidar
o desejo mudancista, desmerecendo
como mirabolantes todas as propostas para iniciar ciclo de desenvolvimento fundado na democratização
das oportunidades econômicas e educativas, por mais modestas e gradualistas que fossem essas propostas e por
mais abalizadas pela experiência de
outros países.
Esses fatos dramáticos definem a
agenda da futura sucessão presidencial. Em 2006 o assunto só pode ser como construir na prática a alternativa
pela qual votamos em vão em 2002. O
país não está à busca de sectarismo de
esquerda. Mas também não se conforma com a idéia de que a única tarefa a
cumprir seja humanizar o inevitável,
atenuando, por meio de políticas sociais compensatórias, os extremos de
desigualdade e de exclusão que nos
afligem. E, apesar da simpatia despertada pelo atual presidente numa nação que se orgulha, como deve, de ser
presidida por um operário, resistirá a
ter de escolher entre a reeleição dele e
a recondução ao poder das mesmas
forças cuja política ele passivamente
continua. Resistência que, começando
na classe média, tem tudo para difundir-se por toda a população, como
costuma acontecer no Brasil. Desde
que se construa opção.
Nesse "desde" mora o problema. É
generalizada entre os comentaristas a
convicção de que seria quase impossível criar tal opção dado o duopólio da
política brasileira por dois agrupamentos partidários -o que governa
agora e o que governava antes- que
representam a mesma diretriz. Esse
ceticismo não leva em conta duas particularidades da política brasileira:
uma, objetiva; a outra, subjetiva.
O traço objetivo é a dinâmica do conhecimento em nossas eleições presidenciais. Pesquisas de opinião há
muito tempo de eleição traduzem reconhecimento de nome, não apoio. As
únicas figuras nacionalmente conhecidas são as que foram presidentes ou
candidatas à Presidência. Mesmo os
governadores dos maiores Estados
são conhecidos por menos eleitores
do que há eleitores em seus próprios
Estados. Em poucas semanas de campanha presidencial, contudo, um candidato torna-se conhecido. Mostra,
queira ou não, quem é. Daí a principal
razão para a volatilidade de nossas
campanhas presidenciais: as tendências de apoio oscilam à medida que o
conhecimento avança. Nem os truques de marqueteiro nem o peso do
dinheiro conseguem desfazer o efeito
esclarecedor de ver e ouvir o candidato na televisão.
A característica subjetiva, repetidamente confirmada em nossa história
política recente, é a extraordinária falta de preconceito do eleitor brasileiro:
sua abertura para o novo, em matéria
de proposta e de pessoa. Caso quase
singular no mundo, é eleitorado que
erra mais por excesso do que por falta
de audácia.
Não menosprezemos os obstáculos.
As razões para ter esperança são, entretanto, muitas e fortes.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger
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