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José Dirceu, presidente
DENIS LERRER ROSENFIELD
O PT procura enterrar definitivamente os escândalos éticos que marcaram o primeiro mandato presidencial
PT, O retorno. Talvez essa fórmula melhor ilustre a vitória do deputado Arlindo Chinaglia para a
presidência da Câmara dos Deputados. Acabrunhado pelas sucessivas
crises éticas que o corroeram, o partido descobriu na vitória de Lula a ocasião de reafirmar suas posições históricas, considerando que as urnas o tinham absolvido moralmente.
Personagens que se destacaram
nos casos mensalão e sanguessuga,
entre outros, voltaram a circular livremente, participando ativamente
da eleição de seu companheiro. Na
crise, o partido cerra fileiras, elegendo um dos seus. Seguro de si, recomeça as suas brigas pelo poder.
Nesse contexto se inserem as recentes notícias e declarações relativas
à anistia do ex-deputado José Dirceu.
Assinale-se que elas vêm precedidas e
acompanhadas de manifestações políticas que sinalizam uma inflexão à
esquerda das posições partidárias.
Chinaglia representa a volta ao poder de um setor do partido que esteve
alijado por questões morais. Nunca é
demais lembrar que a comissão de
ética do partido não julgou os companheiros envolvidos nos diferentes escândalos. Na verdade, ela está fechada
para reformas. Duração: indefinida.
Nesse sentido, o novo presidente da
Câmara conseguiu aglutinar em torno de si várias tendências que comungam das mesmas posições, como as
defesas do ditador Fidel Castro, do
novo ditador Chávez -agora reunindo em suas mãos os Poderes Executivo e Legislativo- e do projeto de ditador Evo Morales. Pensam, com nuances, que o Brasil deveria seguir o mesmo caminho, instaurando uma sociedade socialista, dita solidária, mas, de
fato, autoritária ou totalitária.
José Dirceu sabe como poucos dentro do partido navegar nessas águas.
Nada acontece ali acidentalmente,
embora os desmentidos façam parte
desse processo.
Ocorre que a luta pela sucessão de
Lula já está aberta, sendo seus momentos preliminares as discussões
relativas ao próximo presidente do
partido e a questões programáticas
que se delineiam nos encontros e congressos. José Dirceu, que seria candidato natural do PT à Presidência da
República, teve, com sua cassação, o
caminho barrado. No entanto, ele pode abrir uma nova via se conseguir
uma anistia política, entendida também como absolvição moral.
Mas, para que seja politicamente
válida -e não só juridicamente-, ela
deveria vir acompanhada de uma iniciativa "popular", que deveria reunir
1,5 milhão de eleitores. A cifra não
tem nada de exorbitante, pois o PT, a
CUT, o MST e a UNE conseguiriam,
em conjunto, alcançar facilmente o
número, podendo até ultrapassá-lo.
Tal união se faria em torno das bandeiras esquerdistas históricas do partido que, assim, estaria legitimado para disputar, com essa plataforma, as
eleições presidenciais de 2010, tendo
em Dirceu o seu representante. Um
político "absolvido de uma injustiça"
se alçaria, de uma forma "popular", a
virtual candidato presidencial.
Logo ele assumiria uma atitude
mais à esquerda, defendendo, como já
vem fazendo, Chávez e MST e criticando o superávit primário e a autonomia operacional do Banco Central.
Ou seja, ele voltaria seu discurso para
aquilo que o partido considera os símbolos -positivos- do socialismo e os
-negativos- do capitalismo, em sua
linguagem, do "neoliberalismo".
O aval do partido já começou a ser
dado. Marco Aurélio Garcia o defende
abertamente, sendo uma pessoa que
goza de prestígio partidário. O mesmo
faz o presidente do partido, Ricardo
Berzoini, ligado à corrente sindicalista que, assim, reconquistaria suas posições de poder, abaladas pelo envolvimento de um número significativo
de seus membros nos escândalos do
primeiro mandato.
O deputado Vaccarezza, em recente
entrevista a esta Folha, fez questão
de demarcar a independência do PT
em relação a Lula, como se um novo
processo estivesse se iniciando. Procuram, dessa maneira, enterrar definitivamente os escândalos éticos que
marcaram o primeiro mandato presidencial, com o objetivo de politizar os
desvios de conduta do partido.
Reverter a cassação de José Dirceu
se inscreve nesse contexto. Se ela for
bem-sucedida, ele próprio poderá ser
o próximo candidato petista. O ministro Tarso Genro não se engana
quando centra suas baterias a favor
de uma refundação do partido, porque seu objetivo consiste em barrar
esse movimento, se colocando, também ele, como uma alternativa partidária para as próximas eleições.
DENIS LERRER ROSENFIELD, 56, doutor pela Universidade de Paris 1, é professor titular de filosofia da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e editor da revista "Filosofia Política". É autor de "Política e Liberdade
em Hegel" (Ática, 1995), entre outros livros.
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