São Paulo, quinta-feira, 08 de fevereiro de 2007

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José Dirceu, presidente

DENIS LERRER ROSENFIELD

O PT procura enterrar definitivamente os escândalos éticos que marcaram o primeiro mandato presidencial

PT, O retorno. Talvez essa fórmula melhor ilustre a vitória do deputado Arlindo Chinaglia para a presidência da Câmara dos Deputados. Acabrunhado pelas sucessivas crises éticas que o corroeram, o partido descobriu na vitória de Lula a ocasião de reafirmar suas posições históricas, considerando que as urnas o tinham absolvido moralmente. Personagens que se destacaram nos casos mensalão e sanguessuga, entre outros, voltaram a circular livremente, participando ativamente da eleição de seu companheiro. Na crise, o partido cerra fileiras, elegendo um dos seus. Seguro de si, recomeça as suas brigas pelo poder.
Nesse contexto se inserem as recentes notícias e declarações relativas à anistia do ex-deputado José Dirceu.
Assinale-se que elas vêm precedidas e acompanhadas de manifestações políticas que sinalizam uma inflexão à esquerda das posições partidárias.
Chinaglia representa a volta ao poder de um setor do partido que esteve alijado por questões morais. Nunca é demais lembrar que a comissão de ética do partido não julgou os companheiros envolvidos nos diferentes escândalos. Na verdade, ela está fechada para reformas. Duração: indefinida.
Nesse sentido, o novo presidente da Câmara conseguiu aglutinar em torno de si várias tendências que comungam das mesmas posições, como as defesas do ditador Fidel Castro, do novo ditador Chávez -agora reunindo em suas mãos os Poderes Executivo e Legislativo- e do projeto de ditador Evo Morales. Pensam, com nuances, que o Brasil deveria seguir o mesmo caminho, instaurando uma sociedade socialista, dita solidária, mas, de fato, autoritária ou totalitária.
José Dirceu sabe como poucos dentro do partido navegar nessas águas. Nada acontece ali acidentalmente, embora os desmentidos façam parte desse processo.
Ocorre que a luta pela sucessão de Lula já está aberta, sendo seus momentos preliminares as discussões relativas ao próximo presidente do partido e a questões programáticas que se delineiam nos encontros e congressos. José Dirceu, que seria candidato natural do PT à Presidência da República, teve, com sua cassação, o caminho barrado. No entanto, ele pode abrir uma nova via se conseguir uma anistia política, entendida também como absolvição moral.
Mas, para que seja politicamente válida -e não só juridicamente-, ela deveria vir acompanhada de uma iniciativa "popular", que deveria reunir 1,5 milhão de eleitores. A cifra não tem nada de exorbitante, pois o PT, a CUT, o MST e a UNE conseguiriam, em conjunto, alcançar facilmente o número, podendo até ultrapassá-lo.
Tal união se faria em torno das bandeiras esquerdistas históricas do partido que, assim, estaria legitimado para disputar, com essa plataforma, as eleições presidenciais de 2010, tendo em Dirceu o seu representante. Um político "absolvido de uma injustiça" se alçaria, de uma forma "popular", a virtual candidato presidencial.
Logo ele assumiria uma atitude mais à esquerda, defendendo, como já vem fazendo, Chávez e MST e criticando o superávit primário e a autonomia operacional do Banco Central.
Ou seja, ele voltaria seu discurso para aquilo que o partido considera os símbolos -positivos- do socialismo e os -negativos- do capitalismo, em sua linguagem, do "neoliberalismo".
O aval do partido já começou a ser dado. Marco Aurélio Garcia o defende abertamente, sendo uma pessoa que goza de prestígio partidário. O mesmo faz o presidente do partido, Ricardo Berzoini, ligado à corrente sindicalista que, assim, reconquistaria suas posições de poder, abaladas pelo envolvimento de um número significativo de seus membros nos escândalos do primeiro mandato.
O deputado Vaccarezza, em recente entrevista a esta Folha, fez questão de demarcar a independência do PT em relação a Lula, como se um novo processo estivesse se iniciando. Procuram, dessa maneira, enterrar definitivamente os escândalos éticos que marcaram o primeiro mandato presidencial, com o objetivo de politizar os desvios de conduta do partido.
Reverter a cassação de José Dirceu se inscreve nesse contexto. Se ela for bem-sucedida, ele próprio poderá ser o próximo candidato petista. O ministro Tarso Genro não se engana quando centra suas baterias a favor de uma refundação do partido, porque seu objetivo consiste em barrar esse movimento, se colocando, também ele, como uma alternativa partidária para as próximas eleições.


DENIS LERRER ROSENFIELD, 56, doutor pela Universidade de Paris 1, é professor titular de filosofia da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e editor da revista "Filosofia Política". É autor de "Política e Liberdade em Hegel" (Ática, 1995), entre outros livros.

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