São Paulo, sexta-feira, 08 de fevereiro de 2008

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JOSÉ SARNEY

Dilema americano

PASSA O Carnaval e temos de sair do sonho da alegria para a realidade que nos cerca. Com um mundo globalizado, tudo o que se passa em qualquer lugar e em qualquer hora está dentro de nossa casa. Já longe estão os tempos das "Cartas de Inglaterra", do Eça de Queiroz, em que o importante é o que ocorre na esquina.
Nenhum presidente dos Estados Unidos deixou o país com o saldo de fracassos e no beco sem saída de George W. Bush. Eleito nas asas da Corte Suprema e nas sombras de fraude eleitoral na Flórida, num sistema eleitoral que elege por meio de delegados, Bush exercia o poder sem legitimidade. Quem a deu foi Osama bin Laden, no desvario dos atentados das Torres Gêmeas e do Pentágono. Dele se valeu o presidente americano para fazer politicagem com o terror, levando o país a um clima de guerra que estava somente na sua cabeça. Inventava a cada dia ataques que não aconteciam, criando um patriotismo que chegava ao ridículo e, com isso, entre alarmes de amarelo e vermelho e uma linguagem de guerra e ameaças, reelegeu-se.
Pior do que tudo isso: encontrou os Estados Unidos como uma isolada e única superpotência, fato inédito em toda a história da humanidade -e jogou tudo fora. Em vez de liderar o mundo para, através da cooperação e da solidariedade, acabar com o terrorismo, resolveu acertar contas com um ditador execrável e cruel, Saddam Hussein ("que quis matar papai"), provocando uma guerra sob a alegação de armas de destruição em massa que nunca existiram e que agora está numa situação insolúvel, igual à do Vietnã, que já custou milhares de vidas de jovens americanos e de onde não sabe como escapulir.
Afastou a Europa, fez renascer a Rússia imperialista, deu à China condições de disputar a hegemonia econômica, gastou trilhões de dólares em armas. Tendo recebido de Clinton -ótimo presidente- um superávit de US$ 230 bilhões, com previsão de superávit de US$ 5,6 trilhões em dez anos, igual à dívida total, e o crescimento de 50% em termos reais do PIB, entrega o país numa crise econômica que derruba os mercados do mundo inteiro, com US$ 9,2 trilhões de dívida pública.
Ainda bem que a força dos Estados Unidos renasce sempre. Veja-se agora o simbolismo de um negro, filho de um queniano, disputar com uma mulher brilhante a Presidência do país. Isso mostra o vigor das instituições americanas.
Queira Deus venha o dia em que possamos ouvir de um deles o chamamento de Walt Whitman: "Welcome, Brazilian brother - thy ample place is ready".


jose-sarney@uol.com.br

JOSÉ SARNEY
escreve às sextas-feiras nesta coluna.


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