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JOSÉ SARNEY
Dilema americano
PASSA O Carnaval e temos de
sair do sonho da alegria para a
realidade que nos cerca. Com
um mundo globalizado, tudo o que
se passa em qualquer lugar e em
qualquer hora está dentro de nossa
casa. Já longe estão os tempos das
"Cartas de Inglaterra", do Eça de
Queiroz, em que o importante é o
que ocorre na esquina.
Nenhum presidente dos Estados
Unidos deixou o país com o saldo
de fracassos e no beco sem saída de
George W. Bush. Eleito nas asas da
Corte Suprema e nas sombras de
fraude eleitoral na Flórida, num
sistema eleitoral que elege por
meio de delegados, Bush exercia o
poder sem legitimidade. Quem a
deu foi Osama bin Laden, no desvario dos atentados das Torres Gêmeas e do Pentágono. Dele se valeu
o presidente americano para fazer
politicagem com o terror, levando
o país a um clima de guerra que estava somente na sua cabeça. Inventava a cada dia ataques que não
aconteciam, criando um patriotismo que chegava ao ridículo e, com
isso, entre alarmes de amarelo e
vermelho e uma linguagem de
guerra e ameaças, reelegeu-se.
Pior do que tudo isso: encontrou
os Estados Unidos como uma isolada e única superpotência, fato
inédito em toda a história da humanidade -e jogou tudo fora. Em
vez de liderar o mundo para, através da cooperação e da solidariedade, acabar com o terrorismo, resolveu acertar contas com um ditador
execrável e cruel, Saddam Hussein
("que quis matar papai"), provocando uma guerra sob a alegação
de armas de destruição em massa
que nunca existiram e que agora
está numa situação insolúvel, igual
à do Vietnã, que já custou milhares
de vidas de jovens americanos e de
onde não sabe como escapulir.
Afastou a Europa, fez renascer a
Rússia imperialista, deu à China
condições de disputar a hegemonia
econômica, gastou trilhões de dólares em armas. Tendo recebido de
Clinton -ótimo presidente- um
superávit de US$ 230 bilhões, com
previsão de superávit de US$ 5,6
trilhões em dez anos, igual à dívida
total, e o crescimento de 50% em
termos reais do PIB, entrega o país
numa crise econômica que derruba
os mercados do mundo inteiro,
com US$ 9,2 trilhões de dívida
pública.
Ainda bem que a força dos Estados Unidos renasce sempre. Veja-se agora o simbolismo de um negro, filho de um queniano, disputar
com uma mulher brilhante a Presidência do país. Isso mostra o vigor
das instituições americanas.
Queira Deus venha o dia em que
possamos ouvir de um deles o chamamento de Walt Whitman: "Welcome, Brazilian brother - thy ample place is ready".
jose-sarney@uol.com.br
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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