São Paulo, segunda, 8 de fevereiro de 1999

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A greve da Ford

BORIS FAUSTO

A greve da Ford, encerrada há poucos dias, representa um belo exemplo de como é possível opor limites à lógica de concorrência entre as empresas, que tende a considerar um incômodo, de importância secundária, o destino de seus trabalhadores. A princípio, a decisão da diretoria da Ford, no sentido de demitir 2.800 metalúrgicos, parecia inexorável. Como opor-se aos argumentos da necessidade absoluta de reestruturação da empresa? Como organizar, por outro lado, um movimento de defesa do emprego no âmbito de um quadro social tão difícil?
A direção do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, com Luiz Marinho à frente, apoiada na disposição de resistência dos trabalhadores, mostrou que isso era possível, combinando firmeza de objetivos com flexibilidade nas formas de ação. Ao adotar esse comportamento, os dirigentes sindicais -diga-se de passagem- deram uma lição de clarividência a elites políticas às quais são afins, cujas opções, em meio à crise, parecem ser bem outras. Eles trataram de negociar, buscaram alternativas, procuraram a colaboração dos governos estadual e federal, recorreram à solidariedade dos metalúrgicos de outras montadoras da região.
O último aspecto é especialmente relevante nestes tempos marcados pelo individualismo. Os demitidos contaram com o apoio ativo dos trabalhadores não atingidos pelo corte, assim como com o dos metalúrgicos da Volks e da GM, que deram horas de trabalho para sustentar financeiramente a greve e engrossaram as passeatas pela via Anchieta.
Isso não significa ignorar o fato de que a natureza e a rapidez dos avanços tecnológicos e a concorrência entre as grandes empresas, entre outros fatores, obrigam-nas a realizar reestruturações que implicam demissões, aqui como em todo o mundo. Porém, ao mesmo tempo em que as forças do mercado não devem ser demonizadas, é preciso impedir que elas se transformem em um rolo compressor, alheio às necessidades humanas.
Essas necessidades, na greve da Ford, ficaram expressas no comportamento das mulheres que acompanharam seus maridos ao longo da mobilização, conscientes de que a perda do emprego pelo outrora chamado chefe de família significa, quase sempre, passar a subsistir na dependência de ganhos precários.
Seria ingênuo acreditar que, mesmo a médio prazo, os metalúrgicos da Ford tenham garantido seus empregos. As próprias condições do acordo indicam isso. O caminho a ser trilhado prevê ampliar as demissões voluntárias, com indenizações mais atraentes, facilitando a permanência dos que não aceitarem a alternativa, por meio da diminuição de seu número.
Mas é preciso enfatizar o fato de que os dirigentes da Ford foram levados a voltar atrás em sua decisão de não discutir o princípio das demissões, por força, sobretudo, da resistência oposta pelos metalúrgicos. O exemplo vai certamente frutificar. Daqui para a frente, as grandes empresas terão de levá-lo em maior conta ao tomar decisões que afetem a vida de seus trabalhadores.


Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta coluna.



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