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A greve da Ford
BORIS FAUSTO
A greve da Ford, encerrada há poucos dias, representa um belo exemplo
de como é possível opor limites à lógica de concorrência entre as empresas,
que tende a considerar um incômodo,
de importância secundária, o destino
de seus trabalhadores. A princípio, a
decisão da diretoria da Ford, no sentido de demitir 2.800 metalúrgicos, parecia inexorável. Como opor-se aos
argumentos da necessidade absoluta
de reestruturação da empresa? Como
organizar, por outro lado, um movimento de defesa do emprego no âmbito de um quadro social tão difícil?
A direção do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, com Luiz Marinho à
frente, apoiada na disposição de resistência dos trabalhadores, mostrou que
isso era possível, combinando firmeza
de objetivos com flexibilidade nas formas de ação. Ao adotar esse comportamento, os dirigentes sindicais -diga-se de passagem- deram uma lição
de clarividência a elites políticas às
quais são afins, cujas opções, em meio
à crise, parecem ser bem outras. Eles
trataram de negociar, buscaram alternativas, procuraram a colaboração
dos governos estadual e federal, recorreram à solidariedade dos metalúrgicos de outras montadoras da região.
O último aspecto é especialmente relevante nestes tempos marcados pelo
individualismo. Os demitidos contaram com o apoio ativo dos trabalhadores não atingidos pelo corte, assim
como com o dos metalúrgicos da
Volks e da GM, que deram horas de
trabalho para sustentar financeiramente a greve e engrossaram as passeatas pela via Anchieta.
Isso não significa ignorar o fato de
que a natureza e a rapidez dos avanços
tecnológicos e a concorrência entre as
grandes empresas, entre outros fatores, obrigam-nas a realizar reestruturações que implicam demissões, aqui
como em todo o mundo. Porém, ao
mesmo tempo em que as forças do
mercado não devem ser demonizadas,
é preciso impedir que elas se transformem em um rolo compressor, alheio
às necessidades humanas.
Essas necessidades, na greve da
Ford, ficaram expressas no comportamento das mulheres que acompanharam seus maridos ao longo da mobilização, conscientes de que a perda do
emprego pelo outrora chamado chefe
de família significa, quase sempre,
passar a subsistir na dependência de
ganhos precários.
Seria ingênuo acreditar que, mesmo
a médio prazo, os metalúrgicos da
Ford tenham garantido seus empregos. As próprias condições do acordo
indicam isso. O caminho a ser trilhado
prevê ampliar as demissões voluntárias, com indenizações mais atraentes,
facilitando a permanência dos que
não aceitarem a alternativa, por meio
da diminuição de seu número.
Mas é preciso enfatizar o fato de que
os dirigentes da Ford foram levados a
voltar atrás em sua decisão de não discutir o princípio das demissões, por
força, sobretudo, da resistência oposta pelos metalúrgicos. O exemplo vai
certamente frutificar. Daqui para a
frente, as grandes empresas terão de
levá-lo em maior conta ao tomar decisões que afetem a vida de seus trabalhadores.
Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta coluna.
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