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OTAVIO FRIAS FILHO
O dia seguinte
Alianças políticas definem-se
muito mais pela convergência de
interesses complementares do que
por afinidades programáticas, pessoais etc. É assim que o novo governador paulista, Geraldo Alckmin, e o ministro da Saúde, José Serra, nem precisam se falar para saber que estão, desde ontem, aliados.
Será bom para Alckmin que Serra
seja ungido o delfim do fernandismo,
deixando livre a arena da política paulista que ele virá disputar caso sua pretensão federal fracasse. Pretensão obsessiva, aliás: o cosmo pode até passar
incólume se Serra não for presidente,
mas ele próprio veria essa tragédia como o fim dos tempos.
E será bom para Serra contar com
um sólido cabo eleitoral, como tudo
indica que Alckmin será, no maior Estado da Federação. Pela mesma lei das
alianças, inflexível como as da mecânica, o Planalto e Jader Barbalho compartilham no momento do mesmo interesse, que para azar dos dois é o da
intransparência, de que ambos necessitam para que certos papéis não venham a lume.
Governar, muito mais do que abrir
estradas, é escondê-las. Nem Robespierre, chamado de incorruptível pela
História, faria uma CPI contra si próprio. Em nosso âmbito "apequenado", porém, a particularidade é que
todos os políticos ainda estão sob o
impacto da bomba nuclear que foi o
impeachment de Collor.
Atribui-se ao próprio Fernando
Henrique, numa contribuição tardia à
nossa sociologia política, conceber o
que ele teria chamado de "partido da
mídia", uma agremiação caótica,
"cheia de som e fúria significando nada", composta de integrantes ultracompetitivos capazes de se unir, porém, na busca do "furo".
O raciocínio é sabido. O mecanismo
do mercado, no caso das comunicações, tem como decorrência que a
procura da notícia impactante e exclusiva tende a se impor a considerações
ideológicas e simpatias governistas,
desde que a opinião pública esteja eletrizada em torno de algum tema "moral".
Um dos efeitos da mídia é converter
princípios de ordem privada em critério de ação pública, o "leigo" finalmente "manda" na política. Galvanizada a sua atenção pelo escândalo,
adianta pouco que empresas e colunistas simpatizem com o statu quo: a
engrenagem da transparência (ou do
sensacionalismo) tudo arrasta.
O governo está diante de um panorama desanuviado. Certos apologistas
apontam os próximos anos da economia brasileira como verdadeira idade
de ouro. As chances de um cataclismo
externo, além de remotas, já não são
agravadas pela vulnerabilidade cambial. ACM e Covas, cada um à sua maneira, foram removidos.
É o escândalo o único percalço sério
e imprevisível, ao que parece. Isso explica e explicará cuidados crescentes,
maníacos, da parte do governo, e jogará um peso de responsabilidade ainda
mais incômodo sobre os frívolos ombros da imprensa, ao menos daquela
parte dela interessada em tentar servir
o país, não o governo.
Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.
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