São Paulo, quinta-feira, 08 de março de 2001

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OTAVIO FRIAS FILHO

O dia seguinte

Alianças políticas definem-se muito mais pela convergência de interesses complementares do que por afinidades programáticas, pessoais etc. É assim que o novo governador paulista, Geraldo Alckmin, e o ministro da Saúde, José Serra, nem precisam se falar para saber que estão, desde ontem, aliados.
Será bom para Alckmin que Serra seja ungido o delfim do fernandismo, deixando livre a arena da política paulista que ele virá disputar caso sua pretensão federal fracasse. Pretensão obsessiva, aliás: o cosmo pode até passar incólume se Serra não for presidente, mas ele próprio veria essa tragédia como o fim dos tempos.
E será bom para Serra contar com um sólido cabo eleitoral, como tudo indica que Alckmin será, no maior Estado da Federação. Pela mesma lei das alianças, inflexível como as da mecânica, o Planalto e Jader Barbalho compartilham no momento do mesmo interesse, que para azar dos dois é o da intransparência, de que ambos necessitam para que certos papéis não venham a lume.
Governar, muito mais do que abrir estradas, é escondê-las. Nem Robespierre, chamado de incorruptível pela História, faria uma CPI contra si próprio. Em nosso âmbito "apequenado", porém, a particularidade é que todos os políticos ainda estão sob o impacto da bomba nuclear que foi o impeachment de Collor.
Atribui-se ao próprio Fernando Henrique, numa contribuição tardia à nossa sociologia política, conceber o que ele teria chamado de "partido da mídia", uma agremiação caótica, "cheia de som e fúria significando nada", composta de integrantes ultracompetitivos capazes de se unir, porém, na busca do "furo".
O raciocínio é sabido. O mecanismo do mercado, no caso das comunicações, tem como decorrência que a procura da notícia impactante e exclusiva tende a se impor a considerações ideológicas e simpatias governistas, desde que a opinião pública esteja eletrizada em torno de algum tema "moral".
Um dos efeitos da mídia é converter princípios de ordem privada em critério de ação pública, o "leigo" finalmente "manda" na política. Galvanizada a sua atenção pelo escândalo, adianta pouco que empresas e colunistas simpatizem com o statu quo: a engrenagem da transparência (ou do sensacionalismo) tudo arrasta.
O governo está diante de um panorama desanuviado. Certos apologistas apontam os próximos anos da economia brasileira como verdadeira idade de ouro. As chances de um cataclismo externo, além de remotas, já não são agravadas pela vulnerabilidade cambial. ACM e Covas, cada um à sua maneira, foram removidos.
É o escândalo o único percalço sério e imprevisível, ao que parece. Isso explica e explicará cuidados crescentes, maníacos, da parte do governo, e jogará um peso de responsabilidade ainda mais incômodo sobre os frívolos ombros da imprensa, ao menos daquela parte dela interessada em tentar servir o país, não o governo.


Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.


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