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TENDÊNCIAS/DEBATES
Devem-se empregar as Forças Armadas no combate ao crime?
NÃO
Mero paliativo
ANTONIO CLÁUDIO MARIZ DE OLIVEIRA
A análise da possibilidade e da
conveniência de as Forças Armadas ocuparem os espaços destinados às
polícias Civil e Militar para combater a
criminalidade não deve ter por enfoque
uma situação emergencial e motivações
emocionais, portanto de caráter meramente subjetivo.
Devemos ter presente que a pauta da
luta contra o crime não pode ser ditada
pelo próprio crime. Como já há algumas décadas a insegurança crescente é a
tônica, afrontando e superando esquemas de proteção individual e coletiva, os
órgãos de proteção social deveriam estar agindo e se aprimorando constantemente, sem interrupção. Assim, eles deveriam aumentar seus efetivos, ajustar
suas estratégias, intensificar as suas
ações na medida e na proporção em que
a criminalidade aumentasse. E, mais,
independentemente do aumento da
violência, deveriam desenvolver um
trabalho organizado e permanente de
investigação e de inteligência no afã de
desenvolver uma ação preventiva.
No entanto não é isso o que ocorre.
Quando há um arrefecimento temporário, as forças de segurança voltam à sua
rotina de pasmaceira e acomodação,
marcada pelo criminoso desvio de funções oficiais, no que tange às polícias
militares, e oficioso, quanto às polícias
civis, em detrimento da sociedade.
Quando, ao contrário, o crime recrudesce, soluções paliativas e ilusórias
surgem e são anunciadas como verdadeiras panacéias para essa crônica
doença mal diagnosticada e mal tratada.
Entendo, mesmo em face da situação
no Rio de Janeiro, que não se justifica a
presença das Forças Armadas nas ruas,
exatamente porque, para uma situação
permanente, como é a do crime, as soluções devem ser permanentes e adotadas
pelos órgãos com destinação específica.
As ações no campo da investigação,
da inteligência e do policiamento ostensivo devem ser constantes, planificadas,
sincronizadas, efetivas e, repito, permanentes, duradouras. Lembremos que o
combate ao crime não se exaure com a
presença das forças de repressão nas
ruas. Alguém imagina que as Forças Armadas possam modificar sua estrutura
organizacional, as suas próprias natureza e destinação, objetivando passar a investigar, prender, policiar, invadir esconderijos para resgatar sequestrados
ou, ainda, apartar brigas em ruas?
Colocar as Forças Armadas nas ruas,
salvo situações específicas de abalo coletivo da ordem pública, para dar segurança à população, é reduzi-la a um papel meramente decorativo.
É preciso que se entenda, definitivamente, que segurança se faz com a remoção das causas da criminalidade,
com investigação, informação, prisões
e, especialmente, com a aplicação efetiva da lei. O aparato bélico ocupa papel
de importância relativa -eu diria mínima- se as causas do crime não são atacadas e se não são desenvolvidas aquelas condutas próprias das polícias.
Na realidade, a questão das Forças Armadas nas ruas para policiar se situa no
campo de sua destinação e de sua competência constitucionais. Historicamente, os objetivos das Forças Armadas
de todos os países do mundo são diversos daqueles reservados aos organismos
ligados à segurança. As funções são distintas. Inconfundíveis. Claramente determinadas pelas Constituições.
A nossa Carta Maior atribui às Forças
Armadas a defesa da pátria, a garantia
dos poderes constitucionais e a garantia
da lei e da ordem. Às polícias, por sua
vez, está reservada a missão de preservar a ordem pública, a incolumidade
das pessoas e do patrimônio. A Civil se
incumbe da chamada polícia judiciária
e da apuração dos crimes, e a Militar
possui a incumbência de executar o policiamento ostensivo. Aliás, a própria
Constituição considera as polícias militares como força auxiliar e reserva do
Exército. Vale dizer, aquelas podem auxiliar este no cumprimento de sua missão, e não o contrário.
Quando o constituinte atribuiu às
Forças Armadas competência para, por
iniciativa de um dos poderes constituintes, garantir a lei e a ordem, referiu-se ao
episódico, temporário e factual risco de
sua violação, por motivos concretos, nitidamente determinados e relacionados
a uma convulsão social.
Ora, infelizmente a violência em nosso país não é um problema novo, emergencial, instantâneo. Tornou-se crônico, permanente, a exigir ações efetivas,
constantes, duradouras e a serem adotadas pelos órgãos que possuam destinação específica para tanto. E, mais do
que isso, tornou-se um trágico problema, decorrente de um longo processo
de acúmulo de vergonhosas carências
sociais, resultante do egoísmo, da apatia
e da indiferença das elites dirigentes, fazendo imprescindível uma mobilização
de todo o corpo social e do governo em
prol da solidariedade e de medidas para
a distribuição de rendas, da saúde, da
educação, da habitação, dentre outras,
voltadas a um maior equilíbrio social.
Antonio Cláudio Mariz de Oliveira, 57, advogado criminalista, é presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Foi secretário da Justiça e da Segurança Pública do Estado de São Paulo (governo Quércia) e presidente da OAB-SP.
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