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São Paulo, sábado, 08 de março de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Devem-se empregar as Forças Armadas no combate ao crime?

NÃO

Mero paliativo

ANTONIO CLÁUDIO MARIZ DE OLIVEIRA

A análise da possibilidade e da conveniência de as Forças Armadas ocuparem os espaços destinados às polícias Civil e Militar para combater a criminalidade não deve ter por enfoque uma situação emergencial e motivações emocionais, portanto de caráter meramente subjetivo.
Devemos ter presente que a pauta da luta contra o crime não pode ser ditada pelo próprio crime. Como já há algumas décadas a insegurança crescente é a tônica, afrontando e superando esquemas de proteção individual e coletiva, os órgãos de proteção social deveriam estar agindo e se aprimorando constantemente, sem interrupção. Assim, eles deveriam aumentar seus efetivos, ajustar suas estratégias, intensificar as suas ações na medida e na proporção em que a criminalidade aumentasse. E, mais, independentemente do aumento da violência, deveriam desenvolver um trabalho organizado e permanente de investigação e de inteligência no afã de desenvolver uma ação preventiva.
No entanto não é isso o que ocorre. Quando há um arrefecimento temporário, as forças de segurança voltam à sua rotina de pasmaceira e acomodação, marcada pelo criminoso desvio de funções oficiais, no que tange às polícias militares, e oficioso, quanto às polícias civis, em detrimento da sociedade. Quando, ao contrário, o crime recrudesce, soluções paliativas e ilusórias surgem e são anunciadas como verdadeiras panacéias para essa crônica doença mal diagnosticada e mal tratada.
Entendo, mesmo em face da situação no Rio de Janeiro, que não se justifica a presença das Forças Armadas nas ruas, exatamente porque, para uma situação permanente, como é a do crime, as soluções devem ser permanentes e adotadas pelos órgãos com destinação específica.
As ações no campo da investigação, da inteligência e do policiamento ostensivo devem ser constantes, planificadas, sincronizadas, efetivas e, repito, permanentes, duradouras. Lembremos que o combate ao crime não se exaure com a presença das forças de repressão nas ruas. Alguém imagina que as Forças Armadas possam modificar sua estrutura organizacional, as suas próprias natureza e destinação, objetivando passar a investigar, prender, policiar, invadir esconderijos para resgatar sequestrados ou, ainda, apartar brigas em ruas?
Colocar as Forças Armadas nas ruas, salvo situações específicas de abalo coletivo da ordem pública, para dar segurança à população, é reduzi-la a um papel meramente decorativo.
É preciso que se entenda, definitivamente, que segurança se faz com a remoção das causas da criminalidade, com investigação, informação, prisões e, especialmente, com a aplicação efetiva da lei. O aparato bélico ocupa papel de importância relativa -eu diria mínima- se as causas do crime não são atacadas e se não são desenvolvidas aquelas condutas próprias das polícias.
Na realidade, a questão das Forças Armadas nas ruas para policiar se situa no campo de sua destinação e de sua competência constitucionais. Historicamente, os objetivos das Forças Armadas de todos os países do mundo são diversos daqueles reservados aos organismos ligados à segurança. As funções são distintas. Inconfundíveis. Claramente determinadas pelas Constituições.
A nossa Carta Maior atribui às Forças Armadas a defesa da pátria, a garantia dos poderes constitucionais e a garantia da lei e da ordem. Às polícias, por sua vez, está reservada a missão de preservar a ordem pública, a incolumidade das pessoas e do patrimônio. A Civil se incumbe da chamada polícia judiciária e da apuração dos crimes, e a Militar possui a incumbência de executar o policiamento ostensivo. Aliás, a própria Constituição considera as polícias militares como força auxiliar e reserva do Exército. Vale dizer, aquelas podem auxiliar este no cumprimento de sua missão, e não o contrário.
Quando o constituinte atribuiu às Forças Armadas competência para, por iniciativa de um dos poderes constituintes, garantir a lei e a ordem, referiu-se ao episódico, temporário e factual risco de sua violação, por motivos concretos, nitidamente determinados e relacionados a uma convulsão social.
Ora, infelizmente a violência em nosso país não é um problema novo, emergencial, instantâneo. Tornou-se crônico, permanente, a exigir ações efetivas, constantes, duradouras e a serem adotadas pelos órgãos que possuam destinação específica para tanto. E, mais do que isso, tornou-se um trágico problema, decorrente de um longo processo de acúmulo de vergonhosas carências sociais, resultante do egoísmo, da apatia e da indiferença das elites dirigentes, fazendo imprescindível uma mobilização de todo o corpo social e do governo em prol da solidariedade e de medidas para a distribuição de rendas, da saúde, da educação, da habitação, dentre outras, voltadas a um maior equilíbrio social.


Antonio Cláudio Mariz de Oliveira, 57, advogado criminalista, é presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Foi secretário da Justiça e da Segurança Pública do Estado de São Paulo (governo Quércia) e presidente da OAB-SP.


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