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São Paulo, sábado, 08 de março de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Devem-se empregar as Forças Armadas no combate ao crime?

SIM

O papel das Forças Armadas

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS

A Constituição brasileira é dividida em dez títulos, sendo nove de disposições permanentes e um de disposições transitórias "quase permanentes", pois o número de seus dispositivos "provisórios" tem crescido desde 1988, passando de 70 para 89 em 2002.
Por outro lado, 45 emendas constitucionais já foram elaboradas nos últimos 14 anos -número consideravelmente maior do que nos 215 anos da Constituição americana, que teve apenas 26 emendas.
O título V é dedicado à defesa do Estado e das instituições democráticas, sendo composto de apenas oito artigos (136 a 144), dividido em quatro partes (Estado de Defesa, Estado de Sítio, Forças Armadas e Segurança Pública).
Dois juristas de renome (desembargadores Aricê Amaral dos Santos e Álvaro Lazzarini) dedicaram-se, em profundidade, ao estudo desta parte da Constituição, tendo o primeiro denominado seu capítulo 1 de Regime Constitucional das Crises. Ambos realçam a importância do equilíbrio democrático que os institutos e as instituições mencionadas ofertam à República brasileira. Na mesma linha, pronunciaram-se eminentes comentaristas da lei suprema, como Manoel Gonçalves Ferreira Filho, José Cretella Jr., Pinto Ferreira, Alexandre de Moraes, Wolgran Junqueira Ferreira e outros de igual valor e mérito.
O artigo 142 do título V está assim redigido:
"As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do presidente da República, e destinam-se à defesa da pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem", perfilando como funções das Forças Armadas:
a) a defesa da pátria; b) a garantia dos poderes constitucionais; c) a garantia da lei; d) a garantia da ordem. Sendo as duas últimas decorrentes da iniciativa de qualquer dos poderes constituídos da União, dos Estados e dos municípios, ou seja, dos três Poderes de qualquer uma dessas entidades federativas.
Como se percebe, a atuação das Forças Armadas para manter a ordem e a lei, quando os órgãos da segurança pública não conseguem preservá-las, é não só constitucional, como desejável para que as instituições democráticas não sejam tisnadas.
Ora, o narcotráfico hoje é um flagelo mundial. Países enfrentam dificuldades em serem dirigidos sempre que seus governos contrariam os interesses dos produtores de drogas; lembrando que o próprio Exército americano, o qual tem dado apoio às nações que solicitam sua colaboração, não desconhece que um dos maiores consumidores de drogas no mundo são os Estados Unidos.
No Brasil, o crime organizado ganhou força como jamais ocorreu em sua história, ditando, no Rio de Janeiro, normas que a própria Polícia Militar não consegue superar. Seus habitantes preferem não enfrentar os detentores de tal poder por não se sentirem suficientemente protegidos pelos órgãos de segurança pública. Esta é a única razão pela qual foi acionado o Exército, visto que, sempre que solicitado por qualquer dos poderes constitucionais, deve atuar para estabilizar a ordem e a lei.
Aspecto relevante a ser mencionado é que, no momento em que as Forças Armadas atuam nessa função complementar, as forças de segurança pública ficam-lhe subordinadas, nos objetivos específicos a que se propuseram.
O regime brasileiro de defesa das instituições adota também o caminho inverso, ou seja, na defesa da pátria, em havendo perigo de guerra ou de confronto com inimigo externo, ou, ainda, declaração de estado de defesa ou de sítio, os órgãos de segurança pública devem dar cobertura às Forças Armadas, servindo-lhes como forças auxiliares.
Em outras palavras, há -sempre que se faça necessário- dispositivos constitucionais e legais (LC nš 69/91) para permitir que os órgãos encarregados da defesa da pátria e manutenção da ordem e da lei trabalhem conjuntamente, cabendo às autoridades públicas a definição de seu papel e a forma de atuação.
Entendo, pois, não só constitucional, como desejável, o emprego das Forças Armadas para complementar as polícias federais, estaduais e municipais -poderão estas ser acionadas se bens, patrimônios e serviços municipais estiverem ameaçados- no combate ao crime organizado, objetivando dar tranquilidade à sociedade brasileira.
À evidência, como tenho repetidas vezes escrito, no combate ao narcotráfico não se pode tolher os defensores da lei com restrições excessivas. É uma guerra. No momento, todavia, em que o criminoso é preso e fica sob a tutela do Estado, todos os seus direitos de cidadão devem ser assegurados, não se admitindo violências ou torturas, porque manifestamente proibidas pela lei suprema.


Ives Gandra da Silva Martins, 68, advogado tributarista, é professor emérito das universidades Mackenzie e Paulista e da Escola de Comando do Estado-Maior do Exército.


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