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TENDÊNCIAS/DEBATES
Devem-se empregar as Forças Armadas no combate ao crime?
SIM
O papel das Forças Armadas
IVES GANDRA DA SILVA MARTINS
A Constituição brasileira é dividida em dez títulos, sendo nove de
disposições permanentes e um de disposições transitórias "quase permanentes", pois o número de seus dispositivos
"provisórios" tem crescido desde 1988,
passando de 70 para 89 em 2002.
Por outro lado, 45 emendas constitucionais já foram elaboradas nos últimos
14 anos -número consideravelmente
maior do que nos 215 anos da Constituição americana, que teve apenas 26
emendas.
O título V é dedicado à defesa do Estado e das instituições democráticas, sendo composto de apenas oito artigos (136
a 144), dividido em quatro partes (Estado de Defesa, Estado de Sítio, Forças Armadas e Segurança Pública).
Dois juristas de renome (desembargadores Aricê Amaral dos Santos e Álvaro
Lazzarini) dedicaram-se, em profundidade, ao estudo desta parte da Constituição, tendo o primeiro denominado
seu capítulo 1 de Regime Constitucional
das Crises. Ambos realçam a importância do equilíbrio democrático que os
institutos e as instituições mencionadas
ofertam à República brasileira. Na mesma linha, pronunciaram-se eminentes
comentaristas da lei suprema, como
Manoel Gonçalves Ferreira Filho, José
Cretella Jr., Pinto Ferreira, Alexandre de
Moraes, Wolgran Junqueira Ferreira e
outros de igual valor e mérito.
O artigo 142 do título V está assim redigido:
"As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com
base na hierarquia e na disciplina, sob a
autoridade suprema do presidente da
República, e destinam-se à defesa da pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes,
da lei e da ordem", perfilando como
funções das Forças Armadas:
a) a defesa da pátria; b) a garantia dos
poderes constitucionais; c) a garantia da
lei; d) a garantia da ordem. Sendo as
duas últimas decorrentes da iniciativa
de qualquer dos poderes constituídos
da União, dos Estados e dos municípios,
ou seja, dos três Poderes de qualquer
uma dessas entidades federativas.
Como se percebe, a atuação das Forças Armadas para manter a ordem e a
lei, quando os órgãos da segurança pública não conseguem preservá-las, é não
só constitucional, como desejável para
que as instituições democráticas não sejam tisnadas.
Ora, o narcotráfico hoje é um flagelo
mundial. Países enfrentam dificuldades
em serem dirigidos sempre que seus governos contrariam os interesses dos
produtores de drogas; lembrando que o
próprio Exército americano, o qual tem
dado apoio às nações que solicitam sua
colaboração, não desconhece que um
dos maiores consumidores de drogas
no mundo são os Estados Unidos.
No Brasil, o crime organizado ganhou
força como jamais ocorreu em sua história, ditando, no Rio de Janeiro, normas que a própria Polícia Militar não
consegue superar. Seus habitantes preferem não enfrentar os detentores de tal
poder por não se sentirem suficientemente protegidos pelos órgãos de segurança pública. Esta é a única razão pela
qual foi acionado o Exército, visto que,
sempre que solicitado por qualquer dos
poderes constitucionais, deve atuar para estabilizar a ordem e a lei.
Aspecto relevante a ser mencionado é
que, no momento em que as Forças Armadas atuam nessa função complementar, as forças de segurança pública
ficam-lhe subordinadas, nos objetivos
específicos a que se propuseram.
O regime brasileiro de defesa das instituições adota também o caminho inverso, ou seja, na defesa da pátria, em
havendo perigo de guerra ou de confronto com inimigo externo, ou, ainda,
declaração de estado de defesa ou de sítio, os órgãos de segurança pública devem dar cobertura às Forças Armadas,
servindo-lhes como forças auxiliares.
Em outras palavras, há -sempre que
se faça necessário- dispositivos constitucionais e legais (LC nš 69/91) para permitir que os órgãos encarregados da defesa da pátria e manutenção da ordem e
da lei trabalhem conjuntamente, cabendo às autoridades públicas a definição
de seu papel e a forma de atuação.
Entendo, pois, não só constitucional,
como desejável, o emprego das Forças
Armadas para complementar as polícias federais, estaduais e municipais
-poderão estas ser acionadas se bens,
patrimônios e serviços municipais estiverem ameaçados- no combate ao crime organizado, objetivando dar tranquilidade à sociedade brasileira.
À evidência, como tenho repetidas vezes escrito, no combate ao narcotráfico
não se pode tolher os defensores da lei
com restrições excessivas. É uma guerra. No momento, todavia, em que o criminoso é preso e fica sob a tutela do Estado, todos os seus direitos de cidadão
devem ser assegurados, não se admitindo violências ou torturas, porque manifestamente proibidas pela lei suprema.
Ives Gandra da Silva Martins, 68, advogado tributarista, é professor emérito das universidades Mackenzie e Paulista e da Escola de Comando do
Estado-Maior do Exército.
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