São Paulo, sábado, 08 de março de 2008

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CLAUDIO ANGELO

Direito de enrolar

OU BEM o ministro Carlos Alberto Menezes Direito é um gênio dos tribunais, ou bem ele cometeu um tremendo erro de cálculo ao interromper o julgamento da ação de inconstitucionalidade contra a Lei de Biossegurança, na última quarta-feira.
Quanto mais tempo o reverendíssimo juiz demorar para apresentar seu veredicto ao Supremo Tribunal Federal, mais embriõezinhos poderão ser "assassinados" por cientistas "malvados" em laboratórios Brasil afora. Afinal, do jeito que está hoje, a obtenção de células-tronco embrionárias é legal.
Portanto, a demora na retomada do julgamento não interessa à Santa Madre Igreja. Como é pouco provável que ele consiga virar a cabeça de seus pares, ainda mais quando três deles já se declararam a favor da lei, é o caso de perguntar -data venia o trocadilho- se Direito fez direito ao pedir vista.
Seja qual for a resposta, quem não fez direito foram os contendores de ambos os lados.
Os beatos fizeram mais uma vez questão de torcer os fatos ao argumentarem que a lei foi aprovada "sub-repticiamente", que é impossível dizer se um embrião é inviável antes de implantá-lo e que as novas pesquisas com a chamada pluripotência induzida de células adultas dispensam a "barbárie".
Mentira, mentira e mentira. A lei atual deu entrada no Congresso na primavera de 2003 e de lá só saiu no outono de 2005, sensivelmente diluída pelo lobby religioso da Câmara. Limitou o número e o tipo de embriões que podem ser usados pelos cientistas brasileiros. Ainda assim, é melhor que nada.
Embriões inviáveis só são indistingüíveis dos viáveis para quem não tem um microscópio. Por fim, os estudos de Shinya Yamanaka e James Thomson, citados pelo advogado da igreja, Ives Gandra Martins, para demonstrar a inutilidade das células-tronco embrionárias, ainda pertencem ao terreno da pesquisa básica. Estão tão ou mais longe de resultar em terapias que as pesquisas que Gandra Martins deseja proibir.
Acontece que na guerra santa pelo apoio da opinião pública, os cientistas também usaram bombas sujas. É falso afirmar que todos os embriões excedentes vão parar no lixo -há uma resolução do Conselho Federal de Medicina que veda o descarte. E chamar os blastocistos de "pré-embriões", termo repetido no STF pela presidente, Ellen Gracie, é mandracaria verbal -como se a mudança do nome lhes retirasse o status de seres humanos.
Os cientistas não precisam disso.
Tudo indica que o bom senso venceu e eles já ganharam a parada. Pela primeira vez na história deste país, sua mais alta corte resolverá que um código moral formulado em uma sociedade de pastores no fim do Império Romano não serve para guiar a feitura das leis no século 21. Demorou.


CLAUDIO ANGELO é editor de Ciência


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