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CLÓVIS ROSSI
A sharia católica
SÃO PAULO - Selamha Mint Mohamed, menina mauritana hoje
com 16 anos, foi obrigada pelos pais
a casar-se com um primo de 40
anos (ela tinha então 14).
Passou apenas algumas semanas
na Mauritânia, após o casamento, e
voltou à Espanha, onde reside. Um
ano depois, o marido forçado passou pela Espanha e exigiu relações
sexuais com a menina-esposa. Os
pais a forçaram a aceitar. Agora, Selamha está recorrendo à Justiça
contra os pais e o marido. Em depoimento reproduzido ontem pelo
jornal "El País", a menina contou:
"Meu pai me ameaçou. Dizia-me
que eu seria lapidada e ele atiraria a
primeira pedra."
O imã da grande mesquita de
Nuakchott, a capital da Mauritânia,
pediu às autoridades espanholas
"compreensão" para com a família
da menina, que atuou, segundo ele,
de acordo com a sharia, a lei islâmica.
Não é difícil ver alguma semelhança entre o caso de Selamha e a
excomunhão do médico que praticou o aborto na menina de 9 anos
estuprada pelo padrasto.
Afinal, como explicou com impecável didatismo o leitor Edson Luiz
Sampel, o direito canônico determina a excomunhão automática em
caso de aborto, assim como a sharia
dá aos pais o direito de obrigar as filhas a casar-se com quem eles escolherem.
Mas o direito, canônico ou outro
qualquer, é necessariamente uma
questão de interpretação.
É mais que razoável a Igreja ser
contra o aborto, concorde-se ou
não com sua posição. No limite, trata-se de defender a vida. Uma interpretação sadia dessa posição diria
que foi precisamente o que fez o
médico que praticou o aborto: defendeu a vida da menina grávida,
ameaçada pela gravidez.
Pode ter errado no diagnóstico.
Mas quem o puniu nunca passou
nem perto da menina para saber se
o aborto salvou uma vida, em vez de
arriscar perder três.
crossi@uol.com.br
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