São Paulo, domingo, 08 de março de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CLÓVIS ROSSI

A sharia católica

SÃO PAULO - Selamha Mint Mohamed, menina mauritana hoje com 16 anos, foi obrigada pelos pais a casar-se com um primo de 40 anos (ela tinha então 14).
Passou apenas algumas semanas na Mauritânia, após o casamento, e voltou à Espanha, onde reside. Um ano depois, o marido forçado passou pela Espanha e exigiu relações sexuais com a menina-esposa. Os pais a forçaram a aceitar. Agora, Selamha está recorrendo à Justiça contra os pais e o marido. Em depoimento reproduzido ontem pelo jornal "El País", a menina contou: "Meu pai me ameaçou. Dizia-me que eu seria lapidada e ele atiraria a primeira pedra."
O imã da grande mesquita de Nuakchott, a capital da Mauritânia, pediu às autoridades espanholas "compreensão" para com a família da menina, que atuou, segundo ele, de acordo com a sharia, a lei islâmica.
Não é difícil ver alguma semelhança entre o caso de Selamha e a excomunhão do médico que praticou o aborto na menina de 9 anos estuprada pelo padrasto.
Afinal, como explicou com impecável didatismo o leitor Edson Luiz Sampel, o direito canônico determina a excomunhão automática em caso de aborto, assim como a sharia dá aos pais o direito de obrigar as filhas a casar-se com quem eles escolherem.
Mas o direito, canônico ou outro qualquer, é necessariamente uma questão de interpretação.
É mais que razoável a Igreja ser contra o aborto, concorde-se ou não com sua posição. No limite, trata-se de defender a vida. Uma interpretação sadia dessa posição diria que foi precisamente o que fez o médico que praticou o aborto: defendeu a vida da menina grávida, ameaçada pela gravidez.
Pode ter errado no diagnóstico. Mas quem o puniu nunca passou nem perto da menina para saber se o aborto salvou uma vida, em vez de arriscar perder três.

crossi@uol.com.br


Texto Anterior: Editoriais: Creches em falta

Próximo Texto: Brasília - Eliane Cantanhêde: Em nome do Pai
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.