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A MIRAGEM DO REAL
Aumentou o nervosismo na área
política do governo.
Descontados os aspectos emocionais ou mesmo folclóricos da bronca
dada pelo ministro Sérgio Motta no
presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer, a impressão que
fica é a de que o governo enfrenta dificuldades para avançar no encaminhamento das reformas administrativa e previdenciária.
Esse aumento da temperatura nos
bastidores da política, num momento em que se aguardam também mudanças ministeriais, mais uma vez
coloca a nu a ligação vital e crítica entre ajuste fiscal e apoio político.
O governo FHC não padece de lacunas na capacidade de diagnóstico
dos problemas estruturais das contas
públicas brasileiras. Aliás, pode-se
mesmo dizer que as análises tucanas
estão entre as mais bem elaboradas
tecnicamente.
Também é inegável que esse governo já tomou algumas iniciativas importantes, principalmente no campo
dos chamados ``esqueletos''. Isto é,
dívidas antigas, muitas acumuladas
por instituições do próprio setor público, estão aos poucos sendo reconhecidas e reestruturadas.
Mas o desafio primordial de um governo comprometido a fazer a lição
de casa e colocar suas contas em ordem não é o de elaborar um bom
diagnóstico ou reconhecer os problemas -ainda que, evidentemente,
esses passos sejam necessários.
Difícil mesmo é agir, sobretudo
agir em tempo. O aumento da dívida
pública, interna e externa, pode converter-se em bomba-relógio se o
ajuste fiscal não ocorrer ou ocorrer
muito lentamente.
Sabe-se bem, entretanto, que os
grandes obstáculos ao ajuste das
contas públicas são de natureza política, como ilustram as rusgas entre
Executivo e Legislativo sempre que se
trata de cortar gastos.
Ao contrário, a prorrogação do
Fundo de Estabilização Fiscal (FEF),
o recurso à CPMF e os aumentos de
tarifas -esforços no sentido do aumento da carga impositiva, em suma- é que têm caracterizado o
``ajuste'' nas contas da União.
Peca-se ao buscar a imposição de
mais sacrifícios à sociedade e, também, ao usar instrumentos de ajuste
casuísticos e temporários, sem criar
um horizonte confiável de longo prazo para as contas públicas.
Atuar sobre as despesas significa
incomodar grupos políticos e acelerar as reformas. Apressar a privatização também incomoda.
Pois é nesse terreno, o da ação concreta, que o governo FHC menos
trunfos tem a exibir.
Agora, o governo parece finalmente
reconhecer que a trajetória de desequilíbrios crescentes no comércio
exterior não é aceitável. Como não se
são cogitadas alterações na política
cambial, a equipe econômica busca
alternativas, restringindo importações e estimulando exportações. A
contenção do crescimento é outra
opção que o governo já não descarta.
Se de fato houver uma redução no
crescimento econômico, a arrecadação de impostos pode sofrer. Ou seja, há uma relação entre os desequilíbrios básicos do Plano Real, nas contas públicas e no comércio exterior.
As resistências políticas às reformas e à privatização são o nó górdio
que precisa ser desatado para que esses desequilíbrios econômicos fundamentais possam ser corrigidos.
Infelizmente, o governo não vem
dando mostras de capacidade para
enfrentar com a devida rapidez essas
barreiras políticas ao saneamento
das contas públicas.
Isso não significa que o governo
FHC não tenha base de sustentação
no Congresso. Era isso, ao menos,
que parecia mostrar o ``rolo compressor'' pela emenda da reeleição.
Contudo, mais rapidamente do que
se poderia imaginar, as dificuldades
políticas de levar adiante o ajuste fiscal mostram-se crescentes.
Os economistas que participaram
da elaboração e implementação do
Plano Real sempre argumentaram
que, sob o regime de superinflação, o
ajuste fiscal era inviável. E diziam
que esse ajuste seria viável apenas depois da queda na inflação, precisamente porque a estabilidade de preços daria força ao presidente para fazer os cortes necessários.
Na prática, já se passaram quase
três anos desde a introdução da nova
moeda e o ajuste nas contas públicas
continua sendo uma miragem.
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