São Paulo, terça-feira, 08 de abril de 2008

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Para não ser apenas mais um hospital

CLÁUDIO LOTTENBERG

Diferentemente de outros estabelecimentos entregues à população, esse apresenta uma inovação em termos de gestão

A CIDADE de São Paulo ganha um novo hospital público, o hospital de M'Boi Mirim - Dr. Moysés Deutsch, construído numa região da cidade com muitas carências, inclusive de assistência médica.
Diferentemente de outros estabelecimentos entregues à população, esse apresenta uma inovação em termos de gestão. Os recursos financeiros, humanos e materiais serão geridos por profissionais do Hospital Israelita Albert Einstein, em parceria com o Centro de Estudos e Pesquisas Dr. João Amorim, entidade filantrópica com experiência na administração de programas de saúde.
Ao aceitar esse desafio, o Einstein reafirma seu compromisso de compartilhar conhecimento de ensino, de pesquisa, de práticas médicas e de gestão hospitalar, de modo a beneficiar parcela da sociedade além dos que têm acesso aos seus serviços.
É isso que já vem sendo feito por meio de participação no programa brasileiro de transplante hepático, na comunidade de Paraisópolis, na luta com sete unidades de ultrassonografia e seis unidades de oftalmologia destinadas a carentes ou no Programa de Saúde da Família, atendendo a cerca de 300 mil paulistanos.
O primeiro fator de sucesso na gestão do hospital M'Boi Mirim será o cumprimento dos princípios do SUS: universalidade, que é a garantia de acesso para todos; eqüidade, garantindo a igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios; e integralidade, considerando a pessoa como um todo e, portanto, atendendo à todas suas necessidades.
O segundo elemento para o êxito dessa parceria inovadora serão o reconhecimento e a satisfação da população local com a qualidade do atendimento. Nesse ponto, sabe-se de antemão que as dificuldades são enormes por causa das carências estruturais da saúde no Brasil.
Segundo estudo recente publicado pela Fundação Instituto de Administração, ligada à USP, os R$ 50 bilhões investidos pelo governo brasileiro na área da saúde em 2007 representam o mesmo gasto por pessoa custeado pelo poder público há 15 anos: US$ 280, quando a média mundial é de US$ 806 per capita. Além disso, enquanto a medicina foi se tornando mais complexa e mais onerosa, a população com planos de saúde representa uma minoria, ficando mais de dois terços dos brasileiros dependentes exclusivamente dos serviços públicos.
O terceiro e mais importante indicador de sucesso será o funcionamento do hospital, dentro do moderno conceito de "desospitalização". Nesse ponto, as dificuldades serão ainda maiores, pois exige uma nova mentalidade da comunidade a ser assistida.
Equipado para atendimentos de emergência e casos clínicos de alta complexidade, com modernos centros cirúrgicos e unidades de terapia intensiva, o novo hospital, quando concluído (até o final do ano), terá capacidade para 25 mil consultas e mil internações mensais.
Diante disso, será inevitável que, num primeiro momento, os moradores da região queiram usar os serviços do hospital ao menor sintoma de doença. Mas, para ser eficiente e realmente útil para a comunidade, um hospital não pode atender a qualquer doente que o procura. Tem de concentrar seus recursos no atendimento de casos de urgências ou graves. E o tempo de permanência deverá ser o menor possível, pois esse é um dos melhores indicadores da eficiência da gestão -nesse caso, de que o investimento público está sendo bem aplicado em beneficio da comunidade.
Há dez anos, o tempo médio de permanência num hospital americano era de 5,3 dias. Hoje, lá mesmo, 60% dos pacientes que são internados recebem alta em menos de cinco horas.
Para que o hospital M"Boi Mirim não seja apenas mais um hospital com pouca resolutividade, é fundamental que todos se empenhem em corrigir as distorções apoiados em sólidas mecânicas de performance.
Essa correção tem duas vertentes igualmente importantes. Uma é a descentralização do atendimento, tirando de dentro do hospital o que não for necessário. Isso demanda o funcionamento de uma rede ambulatorial para assistência de clínica geral e especialidades, a AMA (Assistência Médica Ambulatorial), que presta atendimento não agendado a pacientes portadores de patologias de baixa e média complexidade.
A outra vertente diz respeito à forma de gestão, que não tem a ver só com qualificação, treinamento e comprometimento dos profissionais. Inclui também práticas como estudos epidemiológicos, protocolos de saúde e procedimentos que permitem melhor utilização dos recursos em benefício da ampliação e do aperfeiçoamento do atendimento para melhoria dos indicadores de performance e do estado de saúde da população. Com isso, não se trata somente de um hospital, mas de uma saúde que pode dar certo.


CLÁUDIO LOTTENBERG, 47, doutor em oftalmologia pela Escola Paulista de Medicina (atual Unifesp), é presidente do Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Hospital Albert Einstein. Foi secretário municipal da Saúde em São Paulo (gestão Serra).

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