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Para não ser apenas mais um hospital
CLÁUDIO LOTTENBERG
Diferentemente de outros estabelecimentos
entregues à população, esse apresenta uma inovação em termos de gestão
A CIDADE de São Paulo ganha
um novo hospital público, o
hospital de M'Boi Mirim - Dr.
Moysés Deutsch, construído numa
região da cidade com muitas carências, inclusive de assistência médica.
Diferentemente de outros estabelecimentos entregues à população,
esse apresenta uma inovação em termos de gestão. Os recursos financeiros, humanos e materiais serão geridos por profissionais do Hospital Israelita Albert Einstein, em parceria
com o Centro de Estudos e Pesquisas
Dr. João Amorim, entidade filantrópica com experiência na administração de programas de saúde.
Ao aceitar esse desafio, o Einstein
reafirma seu compromisso de compartilhar conhecimento de ensino, de
pesquisa, de práticas médicas e de
gestão hospitalar, de modo a beneficiar parcela da sociedade além dos
que têm acesso aos seus serviços.
É isso que já vem sendo feito por
meio de participação no programa
brasileiro de transplante hepático, na
comunidade de Paraisópolis, na luta
com sete unidades de ultrassonografia e seis unidades de oftalmologia
destinadas a carentes ou no Programa
de Saúde da Família, atendendo a cerca de 300 mil paulistanos.
O primeiro fator de sucesso na gestão do hospital M'Boi Mirim será o
cumprimento dos princípios do SUS:
universalidade, que é a garantia de
acesso para todos; eqüidade, garantindo a igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios; e
integralidade, considerando a pessoa
como um todo e, portanto, atendendo
à todas suas necessidades.
O segundo elemento para o êxito
dessa parceria inovadora serão o reconhecimento e a satisfação da população local com a qualidade do atendimento. Nesse ponto, sabe-se de antemão que as dificuldades são enormes
por causa das carências estruturais da
saúde no Brasil.
Segundo estudo recente publicado
pela Fundação Instituto de Administração, ligada à USP, os R$ 50 bilhões
investidos pelo governo brasileiro na
área da saúde em 2007 representam o
mesmo gasto por pessoa custeado pelo poder público há 15 anos: US$ 280,
quando a média mundial é de US$
806 per capita. Além disso, enquanto
a medicina foi se tornando mais complexa e mais onerosa, a população
com planos de saúde representa uma
minoria, ficando mais de dois terços
dos brasileiros dependentes exclusivamente dos serviços públicos.
O terceiro e mais importante indicador de sucesso será o funcionamento do hospital, dentro do moderno
conceito de "desospitalização". Nesse
ponto, as dificuldades serão ainda
maiores, pois exige uma nova mentalidade da comunidade a ser assistida.
Equipado para atendimentos de
emergência e casos clínicos de alta
complexidade, com modernos centros cirúrgicos e unidades de terapia
intensiva, o novo hospital, quando
concluído (até o final do ano), terá capacidade para 25 mil consultas e mil
internações mensais.
Diante disso, será inevitável que,
num primeiro momento, os moradores da região queiram usar os serviços
do hospital ao menor sintoma de
doença. Mas, para ser eficiente e realmente útil para a comunidade, um
hospital não pode atender a qualquer
doente que o procura. Tem de concentrar seus recursos no atendimento de casos de urgências ou graves. E o tempo de permanência deverá ser o
menor possível, pois esse é um dos
melhores indicadores da eficiência da
gestão -nesse caso, de que o investimento público está sendo bem aplicado em beneficio da comunidade.
Há dez anos, o tempo médio de permanência num hospital americano
era de 5,3 dias. Hoje, lá mesmo, 60%
dos pacientes que são internados recebem alta em menos de cinco horas.
Para que o hospital M"Boi Mirim
não seja apenas mais um hospital com
pouca resolutividade, é fundamental
que todos se empenhem em corrigir
as distorções apoiados em sólidas mecânicas de performance.
Essa correção tem duas vertentes
igualmente importantes. Uma é a
descentralização do atendimento, tirando de dentro do hospital o que não
for necessário. Isso demanda o funcionamento de uma rede ambulatorial para assistência de clínica geral e
especialidades, a AMA (Assistência
Médica Ambulatorial), que presta
atendimento não agendado a pacientes portadores de patologias de baixa
e média complexidade.
A outra vertente diz respeito à forma de gestão, que não tem a ver só
com qualificação, treinamento e comprometimento dos profissionais. Inclui também práticas como estudos
epidemiológicos, protocolos de saúde
e procedimentos que permitem melhor utilização dos recursos em benefício da ampliação e do aperfeiçoamento do atendimento para melhoria
dos indicadores de performance e do
estado de saúde da população.
Com isso, não se trata somente de
um hospital, mas de uma saúde que
pode dar certo.
CLÁUDIO LOTTENBERG, 47, doutor em oftalmologia pela
Escola Paulista de Medicina (atual Unifesp), é presidente
do Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Hospital Albert Einstein. Foi secretário municipal da Saúde em São
Paulo (gestão Serra).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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