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Castelo de cartas
Tribunal invalida provas
obtidas de forma irregular
pela PF; paradoxalmente, as
denúncias mais midiáticas
favorecem a impunidade
O Superior Tribunal de Justiça
(STJ) anulou as provas obtidas pela operação Castelo de Areia, da
Polícia Federal, a partir de escutas
telefônicas realizadas apenas com
base em denúncia anônima.
A decisão compromete pela raiz
a investigação de executivos da
construtora Camargo Corrêa, acusados de envolvimento em crimes
financeiros, lavagem de dinheiro,
evasão de divisas, fraudes em licitações, pagamentos de propinas a
agentes públicos e doações clandestinas a políticos.
Com a decisão do STJ, devem
ser desconsiderados diálogos telefônicos entre investigados e dados
obtidos com quebras de sigilos
bancário e telefônico, além de material apreendido nas buscas. Só
as provas que não tenham origem
e amparo na denúncia anônima
permanecerão válidas (na prática,
muito pouca coisa).
É frustrante, sem dúvida, que
uma das operações de maior vulto
já realizadas pela PF, em 2009, vá,
pelo que tudo indica, resultar em
quase nada. Fica para a opinião
pública a sensação de que pessoas
e grupos poderosos acabam sempre beneficiados pela impunidade
-um lugar-comum bem estabelecido no Brasil.
Deve-se considerar, porém, que
num Estado de Direito a polícia, o
Ministério Público e os próprios
juízes também estão subordinados à lei. Sim, é óbvio; não, infelizmente, o que muitas vezes se
constata na prática investigativa.
Como afirmou o ministro Celso
Limongi, um dos três a votar no
STJ pela anulação das provas: "Se
a polícia desrespeita a norma e o
Ministério Público passa por cima
da irregularidade, não pode nem
deve o Judiciário conceder beneplácitos a violações da lei".
Pela relevância do caso, a decisão do STJ pode levar à anulação
de provas obtidas em outras
ações. Nos últimos anos, escutas
telefônicas foram usadas de forma
abusiva e indiscriminada, em vários casos como instrumento quase exclusivo de investigação.
Além de produzir provas no
mais das vezes frágeis, tal método
abre espaço para chantagens e vazamentos mal-intencionados. A
situação de descontrole institucional chegou a tal ponto que o CNJ
(Conselho Nacional de Justiça),
ainda em 2008, baixou resolução
em que prescreve mais rigor aos
juízes e cria um registro nacional
dos procedimentos autorizados.
É falsa a opção entre o império
dos grampos e o paraíso da impunidade. Exigir da PF e do Ministério Público investigações e denúncias menos açodadas, em conformidade estrita com a lei, significa
confiar que o Judiciário produzirá
as decisões adequadas. Sem isso,
a sensação midiática e momentânea de justiça se desfaz como um
castelo de cartas.
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