São Paulo, sexta-feira, 08 de abril de 2011

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Castelo de cartas

Tribunal invalida provas obtidas de forma irregular pela PF; paradoxalmente, as denúncias mais midiáticas favorecem a impunidade

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou as provas obtidas pela operação Castelo de Areia, da Polícia Federal, a partir de escutas telefônicas realizadas apenas com base em denúncia anônima.
A decisão compromete pela raiz a investigação de executivos da construtora Camargo Corrêa, acusados de envolvimento em crimes financeiros, lavagem de dinheiro, evasão de divisas, fraudes em licitações, pagamentos de propinas a agentes públicos e doações clandestinas a políticos.
Com a decisão do STJ, devem ser desconsiderados diálogos telefônicos entre investigados e dados obtidos com quebras de sigilos bancário e telefônico, além de material apreendido nas buscas. Só as provas que não tenham origem e amparo na denúncia anônima permanecerão válidas (na prática, muito pouca coisa).
É frustrante, sem dúvida, que uma das operações de maior vulto já realizadas pela PF, em 2009, vá, pelo que tudo indica, resultar em quase nada. Fica para a opinião pública a sensação de que pessoas e grupos poderosos acabam sempre beneficiados pela impunidade -um lugar-comum bem estabelecido no Brasil.
Deve-se considerar, porém, que num Estado de Direito a polícia, o Ministério Público e os próprios juízes também estão subordinados à lei. Sim, é óbvio; não, infelizmente, o que muitas vezes se constata na prática investigativa.
Como afirmou o ministro Celso Limongi, um dos três a votar no STJ pela anulação das provas: "Se a polícia desrespeita a norma e o Ministério Público passa por cima da irregularidade, não pode nem deve o Judiciário conceder beneplácitos a violações da lei".
Pela relevância do caso, a decisão do STJ pode levar à anulação de provas obtidas em outras ações. Nos últimos anos, escutas telefônicas foram usadas de forma abusiva e indiscriminada, em vários casos como instrumento quase exclusivo de investigação.
Além de produzir provas no mais das vezes frágeis, tal método abre espaço para chantagens e vazamentos mal-intencionados. A situação de descontrole institucional chegou a tal ponto que o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), ainda em 2008, baixou resolução em que prescreve mais rigor aos juízes e cria um registro nacional dos procedimentos autorizados.
É falsa a opção entre o império dos grampos e o paraíso da impunidade. Exigir da PF e do Ministério Público investigações e denúncias menos açodadas, em conformidade estrita com a lei, significa confiar que o Judiciário produzirá as decisões adequadas. Sem isso, a sensação midiática e momentânea de justiça se desfaz como um castelo de cartas.


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