São Paulo, segunda-feira, 08 de maio de 2006

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CARLOS HEITOR CONY

A democracia e o demônio

RIO DE JANEIRO - Alguns leitores reclamaram de duas crônicas recentes em que me manifestei contra a democracia representativa tal como ela vem sendo praticada no Brasil e na maioria dos países dito democráticos.
As revelações do ex-secretário do PT Silvio Pereira, publicadas ontem, mostram como funcionam as entranhas de um partido que se diz democrático, como o PT, no subsolo das campanhas eleitorais, processo do qual resultam os governantes e legisladores em nível federal, estadual e municipal.
Antes de mais nada, o segredo. Não o segredo de táticas ideológicas. Todos os petistas envolvidos no esquema de corrupção, lá atrás, nos começos das militâncias, foram idealistas, abraçaram uma das vertentes do socialismo. Alguns chegaram a pegar em armas contra a ditadura militar, outros conspiraram e foram exilados. Tudo boa gente, disposta a sacrificar a própria vida pelo ideal de justiça social e pela ética na vida pública.
Derrubada a ditadura, vem a luta pelo poder, e o poder, na democracia representativa, tem a fachada de idéias, programas mirabolantes, mas apenas a fachada. No subsolo das alianças, das campanhas, o que prevalece é a lei da selva, dividida em dois escalões: o dinheiro, o excremento do demônio, como dizia santo Agostinho, e o botim, o resultado do saque, a distribuição dos cargos e dos lucros.
Como os icebergs, somente um quinto da corrupção veio à tona. Quatro quintos permanecem submersos. O próprio Silvio Pereira diz que há muitos Valérios atrás do Valério. Tentando contar tudo o que sabe, verifica-se que sabe pouco diante do muito que foi o projeto de o PT arrecadar criminosamente R$1 bilhão e ficar 20 anos no poder.
Voltando à minha birra contra a democracia representativa. Nela, o poder não emana do povo, como se pensa e como rezam as constituições democráticas. O poder emana da força do dinheiro, tão corrupta como a força das armas.


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