São Paulo, sábado, 08 de maio de 2010

Próximo Texto | Índice

Editoriais

editoriais@uol.com.br

São Paulo do futuro

Se bem elaborado, projeto que prevê o fim do elevado Costa Silva pode renovar a face da maior cidade brasileira

AO ANUNCIAR um plano de revitalização de São Paulo que prevê a possibilidade de demolição do elevado Costa Silva, o prefeito Gilberto Kassab acendeu uma faísca de utopia numa cidade cada vez menos inclinada a aceitar a ideia de que conviver com a aridez urbanística é o preço a ser pago para usufruir de suas conhecidas vantagens econômicas e culturais.
Reflexo metropolitano de um tipo acelerado e selvagem de acúmulo de riqueza e crescimento demográfico, instaurou-se em São Paulo um padrão de busca de bem-estar na esfera privada e desatenção com o espaço público.
Ao descrever a cidade, à qual chegou em 1935, Lévi-Strauss (1908-2009) espantou-se com a "precocidade dos estragos do tempo". O antropólogo notou que a urbe se desenvolvia "a tal velocidade que é impossível obter seu mapa: a cada semana demandaria uma nova edição".
A construção do elevado, que ganhou o apelido de Minhocão, se inscreve nesse contexto de dinamismo e instabilidade urbana, numa época em que os êxitos econômicos da ditadura financiavam grandes obras -em alguns casos destinadas mais a encenar o desenvolvimento do país do que a promovê-lo.
Na cidade do automóvel, o elevado cumpriu -e ainda cumpre- a importante função de dar alguma fluidez a um trânsito sempre à beira do colapso. É esta a defesa que se pode fazer da via expressa erguida em 1971 pelo então prefeito Paulo Maluf. No mais, seus efeitos revelaram-se, com o passar do tempo, os mais degradantes possíveis.
Não é por acaso que se cogitou da demolição diversas vezes nas últimas décadas. Ideias foram aventadas, não apenas com o intuito de eliminá-lo do mapa -mas também de transformá-lo em jardins suspensos ou em via para veículos sobre trilhos.
Não causará espanto se o anúncio do prefeito Kassab se revelar mais um factóide. O plano apenas esboçado parece custoso, exige tempo excessivo (estima-se pelo menos 15 anos) e apresenta aspectos questionáveis, como transformar uma linha férrea de superfície em subterrânea para dar lugar a uma via de tráfego para veículos (o que exigiria pelo menos R$ 3 bilhões).
Vive-se no entanto, em São Paulo e no Brasil, um momento propício para planejar o futuro. As condições políticas, socioeconômicas e demográficas do país mudaram para melhor -e as discussões sobre as carências das cidades amadureceram. Decisões a serem tomadas hoje com vistas aos próximos anos não podem mais ancorar-se em ideias anacrônicas, já superadas em outras grandes cidades do mundo.
O modelo de valorização do automóvel em detrimento do transporte público está esgotado. Na São Paulo do futuro não deve haver lugar para obras como o Minhocão. Não se trata, é claro, de apenas demoli-lo, mas de fazê-lo segundo um planejamento que se mostre viável.
Pelo que representaria em termos de revitalização urbana e atitude simbólica, é uma ideia a ser submetida ao debate e adotada sem hesitações passadistas.


Próximo Texto: Editoriais: Acordo pirata

Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.