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São Paulo do futuro
Se bem elaborado, projeto que prevê o fim do elevado Costa Silva pode renovar a face da maior cidade brasileira
AO ANUNCIAR um plano
de revitalização de São
Paulo que prevê a possibilidade de demolição do elevado Costa Silva, o prefeito Gilberto Kassab acendeu
uma faísca de utopia numa cidade cada vez menos inclinada a
aceitar a ideia de que conviver
com a aridez urbanística é o preço a ser pago para usufruir de
suas conhecidas vantagens econômicas e culturais.
Reflexo metropolitano de um
tipo acelerado e selvagem de
acúmulo de riqueza e crescimento demográfico, instaurou-se em
São Paulo um padrão de busca de
bem-estar na esfera privada e desatenção com o espaço público.
Ao descrever a cidade, à qual
chegou em 1935, Lévi-Strauss
(1908-2009) espantou-se com a
"precocidade dos estragos do
tempo". O antropólogo notou
que a urbe se desenvolvia "a tal
velocidade que é impossível obter seu mapa: a cada semana demandaria uma nova edição".
A construção do elevado, que
ganhou o apelido de Minhocão,
se inscreve nesse contexto de dinamismo e instabilidade urbana,
numa época em que os êxitos
econômicos da ditadura financiavam grandes obras -em alguns casos destinadas mais a encenar o desenvolvimento do país
do que a promovê-lo.
Na cidade do automóvel, o elevado cumpriu -e ainda cumpre- a importante função de dar
alguma fluidez a um trânsito
sempre à beira do colapso. É esta
a defesa que se pode fazer da via
expressa erguida em 1971 pelo
então prefeito Paulo Maluf. No
mais, seus efeitos revelaram-se,
com o passar do tempo, os mais
degradantes possíveis.
Não é por acaso que se cogitou
da demolição diversas vezes nas
últimas décadas. Ideias foram
aventadas, não apenas com o intuito de eliminá-lo do mapa
-mas também de transformá-lo
em jardins suspensos ou em via
para veículos sobre trilhos.
Não causará espanto se o
anúncio do prefeito Kassab se revelar mais um factóide. O plano
apenas esboçado parece custoso,
exige tempo excessivo (estima-se pelo menos 15 anos) e apresenta aspectos questionáveis, como transformar uma linha férrea de superfície em subterrânea
para dar lugar a uma via de tráfego para veículos (o que exigiria
pelo menos R$ 3 bilhões).
Vive-se no entanto, em São
Paulo e no Brasil, um momento
propício para planejar o futuro.
As condições políticas, socioeconômicas e demográficas do país
mudaram para melhor -e as discussões sobre as carências das cidades amadureceram. Decisões
a serem tomadas hoje com vistas
aos próximos anos não podem
mais ancorar-se em ideias anacrônicas, já superadas em outras
grandes cidades do mundo.
O modelo de valorização do automóvel em detrimento do
transporte público está esgotado. Na São Paulo do futuro não
deve haver lugar para obras como o Minhocão. Não se trata, é
claro, de apenas demoli-lo, mas
de fazê-lo segundo um planejamento que se mostre viável.
Pelo que representaria em termos de revitalização urbana e
atitude simbólica, é uma ideia a
ser submetida ao debate e adotada sem hesitações passadistas.
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