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TENDÊNCIAS/DEBATES
A crise na Grécia afetará a economia brasileira?
SIM
A especulação tem limites
GILSON SCHWARTZ
O
BRASIL sempre foi o "país do
futuro". Com o tempo, esforços foram empreendidos para
acelerar esse tempo pela ação do Estado e do desenvolvimentismo, uma
espécie de ciência da aceleração do
tempo econômico.
A eterna promessa brasileira, no entanto, parecia ter desencantado na
crise financeira de 2008-2009.
Com o desmonte ocorrido nas principais economias desenvolvidas do
mundo, parece que um relógio maluco inverteu seus ponteiros e as economias da periferia, como Brasil, China
e Índia, tornaram-se as que já chegaram ao futuro, enquanto as sociedades maduras e pós-industrializadas
retraem-se e retrocedem a níveis bárbaros de desemprego, endividamento
e asfixia do gasto estatal.
É hora do Brasil? Ou tudo não passa
de mais uma ilusão de ótica criada pela forte e rápida deterioração dos países mais ricos?
O ilusionismo é decorrência da especulação financeira. Nesse jogo de
espelhos, não interessa tanto a qualidade do ativo, mas o sentido do fluxo,
o movimento da manada.
Se o sistema indica baixa na rentabilidade de ativos ancorados nas economias mais ricas, o capital em busca
de oportunidades fareja o que parece
menos ruim e com potencial de alta
(quem não arrisca, não petisca). Não
importa quão bom é um papel ou ativo financeiro, mas o quanto ele pode
melhorar, seja como for.
Há limites para as virtudes expansivas da economia especulativa. A ilusão de ótica se desfaz nos movimentos do próprio sistema.
Ontem, era bom comprar Brasil para escapar da crise. Hoje, é melhor
vender Brasil: liquidar ativos brasileiros, ainda com bom preço, ajuda a
melhorar o balanço de quem perde
dinheiro na Grécia ou na Espanha.
O risco, nessa conjuntura, é o de se
encantar com as ilusões provocadas
pelos fluxos de capitais "andorinhas",
com foco no curto prazo.
A onda de otimismo com um mercado é real, mas a massa de apostadores que acorre querendo surfar ao
mesmo tempo cria muitas vezes apenas mais espuma, não uma onda mais
alta ou duradoura.
No Brasil, o Banco Central faz o que
pode para enfrentar a euforia especulativa (travestida de apetite exuberante e irracional por países menos afetados pela crise global).
A tragédia grega nada tem a ver
com o Carnaval brasileiro? Já vimos
esse filme antes (a fantasia mais célebre foi o "milagre" dos anos 70). Para
evitar o pior, o ciclo de redução dos juros já foi revertido e a percepção mais
realista é a de que os primeiros dois
anos após as eleições presidenciais
exigirão forte disciplina fiscal.
A União Europeia aderna com problemas financeiros e fiscais. Os EUA
ganharam fôlego. Não é trivial, para o
investidor global, acreditar em miragens como Brics. Pode ser uma boa
hora para realizar os lucros da "onda"
brasileira e correr de volta para o
complexo industrial-consumista animado pelos EUA e pela China.
Para garantir a estabilidade do Brasil nessas águas agitadas e turvas, o
Banco Central continuará cauteloso e
elevará os juros para manter a taxa de
câmbio sob controle (juros mais altos
no Brasil atraem dólares, que reforçam nossa blindagem cambial).
Descartada a ilusão de ótica, a miragem da "ilha de tranquilidade" tropical, a economia brasileira ainda não encontrou um modelo de desenvolvimento que se sustente sem juros
reais elevadíssimos.
A expiação dos pecados terceiro-mundistas (moratória, estatismo e
corrupção) foi até hoje insuficiente
no duelo com o dragão da inflação e
contra os diabos da especulação.
A crise grega (e europeia), combinada aos sinais de retomada dos EUA,
pode configurar o pior dos mundos:
perdemos mercado (dada a perda no
poder de compra dos europeus) e ficamos menos atraentes como destino
de investimentos produtivos (pois
nossa aceleração do crescimento também tem limites, mesmo com todo o apoio estatal).
O cenário doméstico reforça a cautela -inflação acima da meta, dúvidas
sobre o equilíbrio fiscal e incerteza
eleitoral afetam investidores abalados pelo rescaldo global.
Chegou mais uma vez a nossa hora,
mas talvez ainda não seja a nossa vez.
GILSON SCHWARTZ, economista e sociólogo, é professor de economia e coordenador do grupo de pesquisa Cidade do Conhecimento, da USP ( www.cidade.usp.br ),
e coordenador no Brasil do consórcio Pro-Ideal
( www.pro-ideal.eu/ ).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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