São Paulo, sábado, 08 de junho de 2002

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LUCIANO MENDES DE ALMEIDA

O coração de Cristo

O Mutirão Nacional para Superar a Miséria e a Fome, lançado no Brasil em 31/5, há uma semana, tem, sem dúvida, um objetivo claro e imediato: o de assegurar a todos o alimento, dom de Deus. Assim, é urgente multiplicar o atendimento às famílias e às pessoas carentes, especialmente às crianças, para que, o quanto antes, possam ter acesso ao alimento indispensável à vida sadia.
Nesse amplo projeto, hão de se conjugar os poderes públicos e as organizações da sociedade com suas inúmeras entidades filantrópicas, religiosas e beneficentes. Temos até o direito de sonhar que, em cada comunidade, seja feito um cuidadoso levantamento das pessoas necessitadas e que se providencie o auxílio que garanta o trabalho e o pão na mesa para todos.
Esse esforço conjunto em todos os níveis da sociedade será excelente exercício de cidadania e haverá de contribuir para colocar sobre bases sólidas uma convivência solidária que vença desigualdades e exclusões.
Contemplando com esperança um futuro promissor com a eliminação da fome, percebo a necessidade de alcançarmos duas atitudes de que nos fala o documento da CNBB nš 69 ao lançar o Mutirão Nacional para Superar a Miséria e a Fome.
A primeira se refere a superar a situação ambiental em que vivemos e que, de algum modo, a todos atinge como um "vírus" que penetrou em nós e passou a influir em nosso modo de pensar e de agir. Com efeito, aprendemos, desde crianças, a identificar erroneamente felicidade com riqueza. Esse engano gera um dinamismo doentio de acumulação de bens e de apego ao dinheiro.
Esse anseio de riqueza leva ao egoísmo, ao esquecimento e ao desprezo do próximo e gera uma sociedade injusta, sem partilha, em que aumentam a ambição, a violência e as desigualdades sociais. Daí a urgência de uma atitude interior de conversão, em que a prioridade seja dada não à acumulação de bens e ao lucro desenfreado, mas à valorização da pessoa humana e ao empenho para que todos tenham acesso a condições dignas de vida.
Essa conversão não acontece por encanto. Requer um contínuo aprendizado, fruto da confiança em Deus e da prática da fraternidade.
Há uma segunda atitude, na qual insiste o documento da CNBB, que é ainda mais profunda e está na raiz da convivência fraterna. Nasce da contemplação de Jesus Cristo, que nos ensina, pela palavra e pelo testemunho, a lição de compaixão e de misericórdia. Seu Coração estava em sintonia com o sofrimento do povo empobrecido, com predileção pelos marginalizados, enfermos, aflitos e pecadores. Como discípulos do Coração de Cristo compassivo, precisamos aprender a ser solidários, a dar tempo e recursos aos que padecem nos porões da humanidade, na rua, nos lixões, nos presídios e nos prostíbulos para resgatar -por amor- a dignidade de cada irmão e de cada irmã, garantindo a todos o amor, a estima e o pão cotidiano.
Ontem, a Igreja celebrou a liturgia do Sagrado Coração de Jesus e, hoje, sábado, festejamos o Imaculado Coração de Maria. Peçamos ao Divino Salvador e à sua Mãe que nos ensinem a lição do amor e da misericórdia, abrindo-nos à compaixão e à solidariedade com todo o sofrimento humano.
O Mutirão -alimentando os irmãos que passam fome- há de nos alcançar o benefício do desapego dos bens materiais, a esperança dos bens eternos e a alegria maior de amar o próximo como Cristo nos ama. A fome se vence pelo amor.


D. Luciano Mendes de Almeida escreve aos sábados nesta coluna.



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