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MARINA SILVA
Ecos de um
Brasil arcaico
NA SEMANA que passou, dedicada ao Meio Ambiente,
tive a exata sensação do que
deve ser uma ressaca, após a batalha no plenário do Senado. A aprovação da Lei da Grilagem foi uma
ironia funesta. E a coisa vai piorar.
Quem o diz não sou eu, mas alguém
com trânsito entre os que fazem
parte da estratégia para desmontar
a legislação ambiental e que me
alertou sobre a intenção de "liquidar a fatura" até o fim do ano.
O principal objetivo é aprovar
novo Código Ambiental, revogar a
lei 6938 -que criou a Política Nacional do Meio Ambiente-, parte
da Lei de Crimes Ambientais e da
Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, entre outros
dispositivos legais. Ou seja, trata-se de quebrar a espinha dorsal da
proteção ambiental no Brasil. Só
não se fala em revogar o capítulo do
Meio Ambiente, que está no artigo
225 da Constituição. Ainda.
A justificativa é chocante. Tudo
ia bem até que, disse meu interlocutor, começaram a querer implementar a legislação ambiental. As
restrições ao crédito para os ilegais,
fiscalização em tempo real e medidas inesperadas para conter o desmatamento parecem ter sido o limite. Enquanto ninguém estava
cobrando, tudo bem. Foi o que ouvi, acreditem: com as tentativas de
aplicação da lei, "ficou impossível",
e daí veio a avaliação de que tudo
teria que mudar.
Essa conversa nos leva de volta
ao Brasil das capitanias hereditárias. Ele está inteiro, poderoso,
imutável, um enclave dentro de
nossa pretensa modernidade. Nessa lógica, a lei só vale quando não
contraria alguns interesses. Provavelmente, regras universais e o
bem comum são considerados excentricidades. Se quem tem poder
não passa no teste, altere-se o teste.
O que mais impressiona é a ousadia de apresentar um projeto de
Código Ambiental a partir do olhar
exclusivo de um setor, para resolver seus problemas específicos.
Acreditam poder se sobrepor a 20
anos de regulação infraconstitucional, ao conhecimento acumulado nesse período e ao esforço de articulação e participação que está
impresso em cada lei que agora se
espera "liquidar" a curtíssimo prazo.
O que seria deste país sem os formadores de opinião que têm manifestado a sua preocupação com esse quadro; sem a mídia capaz de expor o que está por trás do desmonte da legislação ambiental; sem as
ONGs e movimentos sociais respeitados e sérios que protestam e
reposicionam os fatos junto à população. Essas forças mostram que
há também uma sociedade brasileira moderna e democrática, de
onde vem o alento e a garantia de
que ressaca passa e que vamos, sim,
resistir ao que vem por aí.
contatomarinasilva@uol.com.br
MARINA SILVA escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
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