São Paulo, Terça-feira, 08 de Junho de 1999
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Uma análise borgiana de FHC

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA


Buenos Aires - Tivessem menos problemas urgentes para resolver, Menem e FHC poderiam ter aproveitado seu almoço na magnífica Quinta de Olivos para uma discussão sobre Borges.
O centenário do mais importante escritor argentino do século está sendo comemorado este ano. Ele nasceu num sobrado na rua Tucuman, entre Suipacha e Esmeralda, onde hoje é a sede da Associação Cristã de Moças.
Na primeira fase de suas ficções, Jorge Luis Borges usava com muita frequência o recurso das máscaras, em especial para o personagem central de cada trama, alguém que poderia governar o desenvolvimento da história.
Esse tipo de figura (comum em "A História Universal da Infâmia" e "Evaristo Carriego") assume outras personalidades, imagens múltiplas, para atingir seus objetivos finais.
O FHC do primeiro mandato foi, em alguma medida, esse tipo borgiano.
Seu poder era mais latente e potencial do que efetivo, embora toda a cena, no fundo, dependesse dele. Usava ora a fantasia social-democrata, ora a neoliberal, conforme a necessidade.
Depois de "Pierre Menard, Autor de Quixote" (o escritor que reescreveu "Dom Quixote", copiando-o), no entanto, Borges diminuiu muito suas referências às máscaras. Achou que elas haviam ficado previsíveis demais.
Em seu lugar, Borges adotou a analogia que Schopenhauer havia aplicado à história, a do caleidoscópio, em que as figuras, não as peças de vidro, se movem. Os personagens de Borges passaram a ser os pedaços de vidro do caleidoscópio, mudando de lugar de maneira inesperada para o leitor.
Por convicção estética ou necessidade estratégica, FHC pode vir a se dar conta do esgotamento da fórmula das máscaras. Elas ficaram muito óbvias, e ele ainda tem 42 meses de mandato.
Talvez FHC e o país ganhassem se adotasse a lógica do caleidoscópio. O presidente poderia surpreender o Brasil assumindo diferentes formas, não meras imagens. Quem sabe, até, a que tinha quando primeiro se candidatou ao Senado, a do intelectual comprometido com reformas sociais de fundo.


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