São Paulo, Terça-feira, 08 de Junho de 1999
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O transporte na cidade do século 21


A permanência do atual modelo é incompatível com a preparação do país para a competição econômica global


AILTON BRASILIENSE PIRES

As cidades brasileiras passam por uma degradação acelerada da qualidade de vida, traduzida pelo aumento dos congestionamentos (com drástica redução da qualidade do transporte público, do qual depende a maioria da população), pela redução da acessibilidade das pessoas ao espaço urbano, pelo aumento da poluição atmosférica e dos acidentes de trânsito e pela invasão das áreas residenciais e de vivência coletiva por tráfego inadequado de veículos.
Nas duas maiores cidades do país (São Paulo e Rio), estima-se que as pessoas desperdicem 2 milhões de horas por dia em congestionamentos. O Brasil é um dos recordistas mundiais de acidentes de trânsito, com 2.000 acidentes estimados por dia, dos quais resultam 100 mortos e 1.000 feridos, 200 destes com sequelas irreversíveis. Em São Paulo, o tráfego lento provoca o desperdício anual de 200 milhões de litros de gasolina e a emissão, em excesso, de 100 mil toneladas de monóxido de carbono e de 9.000 toneladas de hidrocarbonetos. Cerca de 3.000 ônibus a mais precisam circular para compensar os congestionamentos, causando uma alta de 16% nos custos do sistema, o que se reflete na tarifa. O custo estimado desses problemas em São Paulo é de vários milhões de reais por dia. Eles tendem a agravar-se rapidamente e já atingem as cidades médias: poderemos ter, em 2010, mais 40 milhões de pessoas morando nos centros urbanos e mais 20 milhões de veículos nas ruas.
O crescimento desordenado das cidades, a deterioração do sistema de transporte público e o uso excessivo e inadequado do automóvel estão entre as causas principais desses problemas. As cidades expandem-se sem controle, gerando grandes espaços vazios e distâncias de transporte. Conjuntos habitacionais, centros de escritórios e shoppings são construídos sem avaliação de seu impacto no trânsito e no transporte. O sistema de transporte sobre trilhos foi, na maioria dos casos, abandonado, e o transporte sobre pneus é de baixa qualidade, submetendo a maioria dos usuários às suas más condições.
O aumento no uso dos automóveis já faz com que eles ocupem 80% do espaço viário, transformando-se na principal causa dos congestionamentos e da poluição; além disso, a contínua expansão do sistema viário para acomodá-los tem enormes custos e causa impactos negativos irreversíveis na estrutura urbana e no patrimônio histórico.
Os custos desse modelo inadequado de transporte urbano (que, por sua vez, compõem o "custo Brasil") são socialmente inaceitáveis e constituem um importante obstáculo sob o ponto de vista estratégico. A permanência do modelo atual é incompatível não apenas com uma melhor qualidade de vida numa sociedade democrática, mas com a preparação do país para a competição econômica em escala global.
Nossas grandes cidades formam a base da produção industrial e de serviços do país, concentrando cerca de 88% do PIB. Elas terão sua importância aumentada ante os novos requisitos de eficiência e competitividade que caracterizam as mudanças econômicas regionais e mundiais. A eficiência da economia brasileira dependerá, em grande parte, do funcionamento adequado dessa rede de cidades e dos seus sistemas de transporte.
As políticas urbanas têm grande importância na mudança desse quadro tendencialmente negativo. Dentre elas, a política de transporte urbano é essencial para garantir melhores condições de deslocamento de pessoas e mercadorias. Dadas sua importância estratégica e suas repercussões sociais e econômicas, é necessário que ela seja inserida entre os principais objetivos nacionais, perseguidos pela ação conjunta dos três níveis de governo, com intensa participação da sociedade.
Para enfrentar o desafio, a Associação Nacional de Transportes Públicos propõe cinco ações principais coordenadas. 1) Definir uma política nacional de transporte urbano que incorpore a efetiva municipalização do trânsito (proposta no novo Código de Trânsito Brasileiro), de forma a promover o envolvimento conjunto das esferas federal, estadual e municipal em torno de objetivos e metas nacionais, a serem perseguidos por planos de ação regionalizados. 2) Propor modelos de desenvolvimento urbano que otimizem as relações entre uso do solo, transporte público e trânsito, reduzam as distâncias médias de percurso e a dependência do transporte motorizado. 3) Definir os sistemas de transporte público como forma prioritária de atendimento das necessidades de deslocamento da população, garantindo a aplicação de recursos (provenientes de novas fontes permanentes) e promovendo a participação crescente da sociedade e do setor privado na análise, na proposição e na aplicação de soluções. 4) Organizar sistemas de transporte público eficientes, de alta qualidade e conforto, com serviços integrados. 5) Reorganizar o uso do transporte individual, para preservar o espaço viário necessário ao bom desempenho dos transportes coletivos; reduzir acidentes de trânsito, a poluição ambiental, a destruição do tecido urbano e do patrimônio histórico e o impacto negativo na qualidade de vida.
Essas medidas devem ser discutidas e implementadas por governo, iniciativa privada e sociedade, considerando as peculiaridades locais e regionais. É possível mudar o quadro atual das cidades brasileiras, garantindo melhor qualidade de vida para a população e eficiência para a economia urbana.
Ailton Brasiliense Pires, 52, engenheiro, é diretor-executivo da Associação Nacional dos Transportes Públicos.


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