São Paulo, quinta-feira, 08 de julho de 2004

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OTAVIO FRIAS FILHO

Falso sobre falso

Com o início da campanha eleitoral, voltam ao cotidiano as imagens recorrentes dos candidatos em ação, procurando mostrar-se simpáticos e espontâneos em rápidas incursões pelas ruas da cidade. O objetivo é procurar espaço de divulgação nos noticiários de TV à noite enquanto a propaganda eleitoral obrigatória não começa.
Todo candidato tem de agir dessa forma desde que existem eleições. A diferença, nesse aspecto, é que antigamente o político confiava em sua própria intuição ou no conselho de uns poucos apaniguados. Jânio Quadros, caso extraordinário de tirocínio eleitoral, venceu eleição após eleição numa época em que não havia pesquisas e o marketing eleitoral engatinhava.
Com seu linguajar pedante, seus rompantes e esgares de louco e sua atitude empolada, teatral ao extremo, Jânio violava quase todas as regras do marketing político atual, cristalizadas no modelo de Duda Mendonça. Jânio era um gênio na matéria, é verdade. Mas o eleitor o "comprava" como ele era -um produto eleitoral, claro, mas originalíssimo, com manias e achaques, defeitos-qualidades.
Naquela época, o candidato se apresentava munido de seus próprios recursos de intuição e persuasão. Tentava de todas as formas seduzir o eleitorado, como ocorre hoje, mas agora o percurso passou a ser o inverso: primeiro se pesquisam as demandas populares, para então fazer o candidato conformar-se da melhor maneira possível a elas. Mais racional, certamente, e mais falso também.
Combater o marketing eleitoral é inútil. Uma vez disponíveis os instrumentos -as pesquisas, os recursos eletrônicos, as técnicas emprestadas da propaganda comercial-, eles serão usados. Mais: à medida que um único candidato os utiliza, ele obriga os demais a acompanhá-lo (foi assim que Collor venceu, numa época em que tais recursos ainda eram empregados de modo amadorístico pelos demais).
Embora tenha sido o caso de restauração de imagem que projetou Duda Mendonça, o candidato Maluf é aquele, em São Paulo, que mais remete ao estilo antigo, pré-marketing. Voz metálica, olhar esgazeado e fixo, certo autismo quando confrontado com acusações de ilicitude -nada disso abala o eleitorado de Maluf, que mantém com ele uma relação afetiva e irracional como no antigo populismo.
Um observador atento e crítico, como conviria que cada eleitor procurasse ser, pode decifrar, por meio do comportamento explícito de cada candidato, o que as pesquisas e os marqueteiros estão determinando, a portas fechadas, que ele faça. Pois, com o prestígio político das técnicas de manipulação publicitária, ai do candidato que discordar...
É por isso que Serra (PSDB), candidato "frio" e "federal", terá de aparecer sorridente, "humano", próximo aos bairros mais "autênticos" da metrópole. E Marta (PT), tida por prefeita arrogante e mulher voluntariosa, terá de aparecer em versão "paz e amor", a mesma que elegeu Lula presidente. Perdem, com isso, justamente suas qualidades-defeitos mais humanos.


Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.


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