São Paulo, sábado, 08 de julho de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O Brasil deve extinguir a reeleição e restaurar o mandato presidencial de 5 anos?

SIM

Quando o dobro rende a metade

JUTAHY MAGALHÃES JR.

A POSSIBILIDADE DE reeleição para os cargos de presidente da República, governador e prefeito é, com efeito, recente em nossa história. Ao longo de oito anos, realizaram-se quatro pleitos sob tal regra.
Se a experiência é curta, já se mostra, no entanto, deletéria o bastante para podermos concluir: mais cria vícios do que virtudes; mais conspira contra a gestão pública do que lhe dá qualidade. Ademais, se não há tempo bastante para um bom governante, quatro anos bastam.
Embora o meu partido, o PSDB, tenha sido o primeiro a propor a reeleição, sinto-me à vontade para me manifestar contra. À época, não votei a emenda que tratou do tema. Ainda que o tivesse feito, acho que teria clareza para perceber o equívoco. Por isso, apresentei, em 2004, proposta que extingue a reeleição e estabelece o mandato único de cinco anos.
Argumenta-se, contra a proposta, uma questão menor, circunstancial: ela instituiria eleições anuais no Brasil, nos vários níveis, já que não poderia haver prorrogação de mandatos parlamentares. Pois bem: fiquemos, então, com quatro anos, não cinco.
Ao contrário do que se diz, a reeleição foi, sim, suficientemente testada no Brasil. Afinal, a possibilidade estendeu-se às 27 unidades da Federação e aos 5.561 municípios do país. Pode-se afirmar, portanto, que ela foi examinada milhares de vezes.
Desse balanço, resta evidente que traz mais prejuízos do que vantagens. Estou convicto de que sua extinção fortalece a democracia, os partidos e os mecanismos de controle da gestão da máquina pública.
A possibilidade de reeleição contamina, desde o primeiro dia, a relação entre o mandatário e as forças políticas. A governabilidade presente fica condicionada por perspectivas futuras e elas são sempre maiores para quem pode, se quiser, usar os poderes do cargo para nele permanecer.
Amarrada em tal camisa-de-força, a política se amesquinha. Estarão certos os que disserem que tudo dependerá da moralidade de cada governante. Por isso mesmo é melhor nos subordinarmos à solidez das instituições do que à tentação das vontades. A reeleição também tem causado prejuízos à vida partidária, retardando o ciclo de renovação das lideranças. Ela alimenta uma espécie de culto à personalidade do governante, que resulta no menoscabo às políticas que visam ao interesse público.
Não contribuindo para o fortalecimento do ambiente democrático, a reeleição causa distorções imensas no processo eleitoral, dada a assimetria que estabelece entre os que buscam um novo mandato no exercício do cargo e aqueles que têm de lutar contra o aparato estatal.
A atual disputa pela Presidência da República, por exemplo, é pródiga nesse aspecto: basta ver a farra que o governo Lula vem promovendo, com o aumento dos gastos públicos e a mais deslavada avalanche publicitária de que se tem notícia.
Sim, indivíduos regidos pelo mesmo código têm comportamentos distintos. O presidente FHC, em 98, respeitou os limites legais; a agenda do governante não foi montada para servir aos interesses do presidente-candidato, tanto que aquela é considerada a eleição de menor exposição na mídia em muitos anos.
FHC e Lula: dois governantes, dois estilos, duas pessoas distintas, embora resguardadas por um mesmo aporte constitucional. Num caso, respeito à lei; no outro, uso da máquina. É a prova de que o país precisa depender menos das virtudes dos indivíduos e mais das virtudes da lei. Porque, assim, os não-virtuosos serão tolhidos.
Por fim, a possibilidade de reeleição acaba funcionando como uma armadilha perversa para o governante, com evidentes prejuízos para a população. Em busca da popularidade nos primeiros anos, ele tende a evitar decisões que possam lhe render desgaste. À medida que o pleito vai se aproximando, exacerba as decisões de caráter eleitoreiro. Num e noutro extremos, minam-se os espaços para que a gestão pública seja conduzida de maneira responsável.
Um bom governante, que sabe o que quer, tem rumo e programa, pode fazer, a cada dia de um mandato de quatro anos, o que um outro, sem essas mesmas qualidades, não faria em oito. A reeleição, com raras exceções, tem servido para que se governe o dobro, rendendo a metade.


JUTAHY MAGALHÃES JR. é deputado pela Bahia e líder da bancada do PSDB na Câmara.

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