São Paulo, sexta-feira, 08 de julho de 2011 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Itamar, o breve ASPÁSIA CAMARGO
O tempo é o senhor da razão. Iniciando seu mandato de maneira arriscada, Itamar poderia ter sido relegado ao anonimato ou ao fracasso, pois, além de lhe caber um mandato-tampão, ele tinha sido eleito por um pequeno partido, de inexpressiva base parlamentar. O PMDB, enfraquecido, tampouco lhe garantia o apoio para governar. Nessas circunstâncias, Itamar Franco reafirmou o ideário do MDB, autêntico e nacionalista, e buscou proximidade com os partidos ascendentes de esquerda, o PSDB dos professores e quadros e o PT das lideranças sociais. Entregou o Itamaraty a Fernando Henrique e convidou Luiza Erundina, do PT, para a pasta da Administração. Mesmo fracassada, a aliança rendeu neutralidade e simpatia do campo petista, capitalizada pelo apoio de movimentos sociais. Com apenas dois anos de mandato, Itamar, o breve, escapou de ter sido tragado por seus dois sucessores e projetou o Brasil para um novo patamar. No plano político, deu rumo à República de 1988, que nasceu com dois traumas de parto: a morte de Tancredo e o impeachment de Collor. Com sua personalidade austera, mas mercurial, mineiramente cicatrizou as feridas, restaurou a dignidade do Estado e de órgãos ameaçados, como o Ipea, à beira do colapso. Devolveu a confiança nas instituições, corroídas pela inflação e pela corrupção. Seu primeiro desafio foi o "pacto da governabilidade", ao consultar os partidos sobre novas eleições. Essa humildade foi recompensada pela confiança do Congresso -em especial do Senado-, com quem inaugurou o ciclo do presidencialismo parlamentar, em oposição ao presidencialismo imperial da era Vargas e da ditadura militar. Escapou de um presidencialismo fragmentado e frouxo, sob comando dos partidos. Para controlar o problema endêmico da corrupção, Itamar propôs uma blindagem aos malfeitores, garantindo que suspeitos de desvio público responderiam automaticamente às acusações fora do cargo. E assim foi feito, mas a prática instituída perdeu eficácia hoje. Itamar golpeou de morte a inflação, escolhendo o ministro certo, dando sustentação política ao Plano Real e garantindo com habilidade e rapidez as diversas sucessões da pasta. Iniciou o ciclo virtuoso das novas políticas sociais em parceria com a sociedade. Por proposta de Lula, encaminhada por Pedro Simon, o programa de segurança alimentar do PT converteu-se em plano de governo, enriquecido pelo Mapa da Fome do Ipea, matriz do Consea, de Betinho e de dom Mauro Morelli. Betinho, mineiro, recebeu apoio e financiamento das estatais para iniciar a mais exitosa campanha de combate à fome e à miséria desde Josué de Castro. Mera coincidência? O autor da proposta do PT foi José Graziano, hoje presidente da FAO! Como disse FHC recentemente, a história não se faz apenas de rupturas, mas de continuidades. Itamar, o breve, merece ser reconhecido como Itamar, o grande. Elegeu seu sucessor e deixou o governo consagrado, com inéditos 83% de aprovação popular. ASPÁSIA CAMARGO, cientista política, é deputada estadual pelo PV-RJ. Presidiu o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) no governo Itamar Franco. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Jorge Eduardo Rubies: Imobiliária Prefeitura S.A. Próximo Texto: Painel do Leitor Índice | Comunicar Erros |
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